Mario Cerveira Filho*
A ação renovatória de contrato de locação tem por escopo, fundamentalmente, manter os locatários de espaços comerciais no imóvel, resguardando, desta forma, seu fundo de comércio, bem como mantendo a clientela e o respeito comercial conquistado.
Isto porque, a Lei 8.245/91 elenca a ação renovatória como aquela necessária para a continuidade do vínculo locatício havido com o locador, desde que preenchidos todos os requisitos necessários à sua propositura (tais como a observância do prazo decadencial, o exato cumprimento do contrato em curso, mesma atividade comercial por, no mínimo, três anos, dentre outros).
Assim, com o fim de manter o equilíbrio contratual e adequar o valor locatício ao valor de mercado, ao propor a ação renovatória, pode o locatário requerer a fixação de aluguel provisório, o qual vigorará a partir do término do contrato renovando, da mesma maneira que é facultado ao locador fazê-lo em sede de contestação.
Nesta esteira, o pedido de fixação do aluguel provisório tem o intuito de impedir que uma situação heterogênea perdure, qual seja, o locatário arcar com um aluguel em valor incompatível com o valor de mercado, mesma finalidade buscada quando tal requerimento parte do locador.
Importante atentar que nossa legislação, em momento algum, impede que o locatário requeira a fixação do aluguel provisório em sede de ação renovatória. Na verdade, a lei foi omissa no que tange ao pedido de aluguel provisório por parte do locatário. Porém, a mesma legislação não vetou tal pedido.
Tal omissão é fruto da época pela qual atravessava o país quando da elaboração da Legislação Inquilinária. De fato, a Lei 8.245/91 foi desenvolvida em uma época de inflação galopante e instabilidade monetária gritante, o que levava a uma grande desvalorização da moeda. Deste modo, a possibilidade de requerimento do aluguel provisório veio com a intenção de evitar o desequilíbrio do contrato em favor do locatário, sem que fosse prevista a hipótese contrária.
Porém, na atual situação, onde a moeda encontra-se de certa maneira estável, a figura do aluguel provisório passou a ser utilizada nos casos em que o valor do locativo encontra-se em total desacordo com o mercado de locações, seja em decorrência do índice eleito contratualmente, ou de eventuais acréscimos ao valor locativo durante o período de vigência do contrato.
Logo, como decorrência lógica do princípio da igualdade das partes, se a lei facultou ao locador requerer a fixação de aluguel provisório, tal possibilidade também pode ser utilizada pelo locatário, consoante têm entendido os Tribunais Pátrios:
“RENOVATÓRIA DE LOCAÇÃO – aluguel PROVISÓRIO – ÍNDICE DE CORREÇÃO. O aluguel provisório pode ser fixado por iniciativa de qualquer das partes, não sendo prerrogativa exclusiva do locador. O valor do aluguel provisório e o índice de correção serão fixados com base em patamares justos, de modo a não onerar excessivamente o locatário mas sem representar prejuízo para o locador (…) Muito embora seja verdade que o parágrafo 4º do artigo 72 da Lei 8245, de 1991, afirme que poderá o locador pugnar, em sua contestação, pela fixação de aluguel provisório, entendo que tal prerrogativa não é exclusiva deste. A fixação de aluguel provisório pode partir de pedido do autor da ação renovatória, o locatário, e, também, do próprio julgador da causa. Os institutos da antecipação dos efeitos da tutela e do poder geral de cautela dão ao juiz o poder de, por iniciativa própria ou das partes, tomar as medidas que entender necessárias para garantir que o processo alcance o seu fim” (Tribunal de Alçada de Minas Gerais. Acórdão : 0415417-6 Agravo de Instrumento (Cv) Cível Ano: 2003 Comarca: Ipatinga Órgão Julg.: Quarta Câmara Cível Relator: Juiz Paulo Cézar Dias data Julg.: 13/08/2003)
“AGRAVO DE INSTRUMENTO – RENOVATÓRIA – aluguel PROVISÓRIO – REDUÇÃO – PEDIDO DO LOCATÁRIO – possibilidade – INTERPRETAÇÃO DE INTEGRA-ÇÃO, SISTEMÁTICA E EVOLUTIVA – ARTS. 19, 68, II, E 74, § 2º, da LEI 8.245/91. No Estado Democrático de Direito, o juiz exerce a difícil tarefa interpretativa e, sem interferir na atividade legislativa, deve buscar o verdadeiro sentido da lei no sistema jurídico, atento à realidade social no momento de sua aplicação. É juridicamente possível atender pedido de fixação de aluguel provisório em ação renovatória promovida pelo locatário ou sublocatário legítimo, reduzindo-o a valor compatível com a realidade do mercado imobiliário e suficiente para manter provisoriamente o reequilíbrio financeiro da relação obrigacional contratada” (Tribunal de Alçada de Minas Gerais. Acórdão : 0378558-0 Agravo de Instrumento (Cv) Cível Ano: 2002 Comarca: Belo Horizonte/Siscon Órgão Julg.: Terceira Câmara Cível, Relator: Juiz Edilson Fernandes data Julg.: 16/10/2002)
“LOCAÇÃO COMERCIAL – RENOVATÓRIA – aluguel PROVISÓRIO – PEDIDO FORMULADO PELO LOCATÁRIO OU SUBLOCATÁRIO – ADMISSIBILIDADE. Embora o artigo 72, § 4º da Lei 8245, de 18.10.1991, não contenha expressa previsão para o pedido de fixação do aluguel provisório pelo locatário ou Sublocatário, que deduza pedido de renovação compulsória de contrato de locação de imóvel para fins comerciais, é possível que, diante do caráter dúplice desta ação e do cabimento da antecipação de efeitos próprios da tutela de mérito com espeque no artigo 273 do Código de Processo Civil, seja fixado ‘in initio litis’ o aluguel provisório na forma reclamada pelo Agravante”. (Segundo Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo. AI 736.549-00/6 – 10ª Câm. – Rel. Juiz IRINEU PEDROTTI – J. 8.5.2002)
“TUTELA ANTECIPADA – LOCAÇÃO COMERCIAL – RENOVATÓRIA – aluguel PROVISÓRIO – PEDIDO FORMULADO PELO LOCATÁRIO – PREVISÃO LEGAL – AUSÊNCIA – PRETENSÃO DE TUTELA CAUTELAR – DESCABIMENTO – EXEGESE DO ARTIGO 72, § 4º da LEI 8245/91. Em sede de ação renovatória, não havendo previsão legal para que feito arbitramento provisório de aluguel a pedido do autor-locatário, permitido à parte, apenas, por força do prescrito no artigo 273 do diploma instrumental, obter, mediante requerimento seu, que sejam antecipados, provisoriamente, de modo integral ou fracionado, aqueles efeitos buscados por ela na sentença. Tratando-se de simples antecipação, inadmissíveis que se concedam, a esse título, quaisquer outras medidas, além daquilo que constituir o pedido e suas especificações, porquanto o que se tencionaria daí é uma tutela cautelar, a qual em nada se confunde com aquela.” (Segundo Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo AI 806.845-00/4 – 1ª Câm. – Rel. Juiz VIEIRA DE MORAES – J. 12.8.2003)
Vê-se, pelas lições acima expostas, que o pedido de fixação do aluguel provisório pode ser requerido pelo locatário, eis que decorre do princípio da igualdade das partes, além de não ser um requerimento vedado pela legislação. Assim, o magistrado deve analisar o caso concreto e, com base nos elementos fáticos apresentados, determinar o valor do aluguel que vigerá do término do contrato cuja renovação se busca até sentença final.
Ora, o objetivo do contrato é manter a igualdade de condições entre as partes, sem prejudicar nenhuma delas, o que não ocorre se o aluguel provisório for apenas uma faculdade do locador. Ao deferir o pedido de fixação de aluguel provisório, o julgador verificará que a situação contratual entre as partes pendia para o lado do locador, prejudicando a locatária, corrigindo, acertadamente, a relação.
Na verdade, o que se busca não é a utilização do aluguel provisório para redução do valor locatício enquanto perdurar a demanda renovatória. O verdadeiro fim de tal pedido é, durante o trâmite da demanda, adequar o valor do aluguel ao praticado no mercado de locações.
De fato, em grande parte das demandas renovatórias, o valor do aluguel pleiteado como provisório acaba sendo menor que o praticado pelo locador. Porém, tal situação não configura eventual abuso por parte do locatário, ou falta de observância à desvalorização da moeda. O que o magistrado deve levar em conta para a fixação do provisório não é a inflação acumulada ou o valor refletido pelos índices, mas sim a real situação pela qual atravessa o mercado imobiliário.
Frise-se, consoante dito, que o pedido de fixação de aluguel provisório deve vir acompanhado de substratos fáticos que o corroborem, tais como, laudo elaborado por engenheiro civil, pesquisas de mercado junto à imobiliárias de renome, recortes de jornal que retratem o real valor de mercado dos aluguéis, enfim, todo o necessário para formar o convencimento do juiz, e não o simples pedido por parte do autor/locatário.
Ademais, necessário salientar que a fixação do aluguel provisório não obsta que o mesmo seja revisto quando da prolação da sentença. Assim, caso haja diferença entre os valores do aluguel provisório e definitivo (para mais ou para menos) deverão as mesmas ser suportadas pela parte vencida. Portanto, havendo diferença, as mesmas serão objeto de demanda executiva, podendo acarretar, inclusive, na rescisão do contrato (se o locatário ficar inadimplente), caso não sejam pagas.
Esclarece-se que tal possibilidade (execução de diferenças entre aluguel provisório e definitivo) afasta eventual alegação de impossibilidade de fixação do provisório, por não configurar lesão grave ao locador. Não há lesão grave se houver a fixação, eis que as diferenças podem ser executadas, acrescidas de juros, multa e correção monetária (caso o locatário não complementar o valor dos aluguéis), podendo o locador, ainda, requerer a rescisão do contrato e o conseqüente despejo do inadimplente.
Logo, vê-se que a fixação de aluguel provisório, por ter sido criada em um momento de grande instabilidade monetária, foi apenas facultada ao locador, sendo que, no caso de requerimento por parte do locatário há omissão legislativa (não lhe é facultado, nem proibido). Porém, em total consonância com o princípio da igualdade das partes, pode tal requerimento ser elaborado pelo autor de ação renovatória, tendo em vista a necessidade de adequação do valor locativo ao valor de mercado, razão pela qual torna-se perfeitamente válido e possível, devendo ser utilizado toda vez que o valor locativo estiver incompatível com o valor de mercado.
*O autor é advogado, formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), no ano de 1973. Professor de Pós-graduação Lato Sensu do Curso de Direito Empresarial da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professor de Pós-Graduação do Curso MBA – Gestão do Luxo da Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP. Assessor da Presidência do Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil – São Paulo. Consultor Jurídico do CONECS (Conselho Nacional de Entidades de Shopping Centers). Agraciado com a Cruz do Mérito Filosófico e Cultural concedida pela Sociedade Brasileira de Filosofia, Literatura e Ensino. Colaborador do Diário das Leis Imobiliário. Consultor jurídico da ALSHOP – Associação Brasileira de Lojistas de Shopping e do SINDILOJAS – Sindicato de Lojistas do Comércio de São Paulo.
Artigo publicado: Diário das Leis Imobiliário, 24 de outubro de 2006