Da impenhorabilidade do bem de família

Como amplamente divulgado, o Ministro Carlos Velloso, do Supremo Tribunal Federal, proferiu uma decisão monocrática, na qual afastou a penhora sobre único imóvel de fiadores de contrato de locação, sendo que o mesmo pediu nova vista dos autos.

Em suma, fundamentou que apesar da Lei 8.245/91 (Lei do Inquilinato) acrescentar o inciso VII, ao artigo 3º, da Lei 8.009/90 (Lei do Bem de Família), autorizando a penhora de imóvel classificado como bem de família, o artigo 6º, da Constituição Vigente, com redação da Emenda Constitucional nº 26, de 14/02/2000, não recepcionou o dispositivo, ou seja, entende o Ministro que o referido inciso é inconstitucional.

O artigo 6º, da Carta Magna possui a seguinte redação:

“Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.

Em que pese os argumentos do Ministro, acredito que, efetivamente, o inciso VII, do artigo 3º, da Lei 8.009/90, não fere a Constituição Federal, considerando-se, dentre outros fatores, o direito de propriedade, bem como pelo fato de que o direito social da moradia é norma pragmática, a ser cumprida pelo Poder Público, como os demais direitos sociais estabelecidos no artigo 6º, da Constituição de 1988.

Não obstante o debate técnico interpretativo, é importante deixar claro que se o intuito do Ministro é proteger a moradia, o tiro pode sair pela culatra.

Ora, caso prevaleça esse entendimento, as locações podem tornar-se extremamente onerosas, em virtude do alto custo das fianças bancárias, ou ainda, para poucos, visto que os locadores só irão aceitar fiadores com dois ou mais imóveis.

Por outro lado, em consonância com a decisão em tela, pode-se afirmar que, então, todas as demais exceções da Lei 8.009/90, previstas nos incisos I, II, III, IV, V e VI, também são inconstitucionais, o que geraria um verdadeiro colapso no mercado imobiliário, pois, desta forma, resta praticamente inviável, por exemplo, os empréstimos destinados à aquisição da casa própria.

O que se pretende demonstrar, é que se a referida decisão for mantida, corremos um enorme risco de aumento do déficit de moradia no país, além de vários problemas e injustiças indiretas, como por exemplo, no caso de dívida de condomínio, em que os condôminos que arcam devidamente com suas obrigações terão que suportar o calote de outros.

Vale ressaltar, que pelo menos outra decisão parecida já foi exarada, como a do Desembargador Otávio Augusto de Freitas Barcelos, da 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, na qual foi suspenso o leilão de imóvel dos fiadores de um contrato de locação comercial.

No mais, deve ficar nítido, que a moradia não é apenas a própria, mas também aquela locada, isto é, faz-se necessário estimular as locações, as construções e os financiamentos, e proporcionar, por exemplo, aos credores de pensão alimentícia e verbas trabalhistas, o acesso à moradia, uma vez que tais créditos, dependendo da situação, podem ser fundamentais e decisivos para este fim.

Por ora, só nos resta aguardar o posicionamento final do Supremo Tribunal Federal.

(*) O autor é Advogado no escritório Cerveira Advogados Associados, em São Paulo, SP.

Artigo publicado: Revista Lojas & Lojistas, 5 de janeiro de 2006

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