Por Daniel Alcântara Nastri Cerveira*
A pandemia ocasionada pelo novo Coronavírus e a necessária quarenta representam uma tragédia sanitária, social e econômica sem precedentes. No campo econômico os especialistas vêm declarando que as consequências serão gravíssimas, com provável recessão mundial, razão pela qual já observamos em muitos países uma radical e bem-vinda intervenção pelo Estado.
Como acontece com outros setores, o varejista, especialmente aquele tradicional com balcão, está em processo de agonia, visto que, corretamente, estão impedidos de operar em quase todo o Brasil, ressaltando-se que, desde a declaração da pandemia pela Organização Mundial da Saúde, se verificou uma queda brusca nas vendas. Além do mais, os comerciantes vêm sofrendo grandes dificuldades nos últimos anos e somente agora em 2020 vislumbravam alguma melhora.
Neste contexto, como os lojistas conseguirão arcar com os seus custos fixos, especialmente o “custo de ocupação” decorrente das locações dos imóveis onde encontram-se instalados os seus estabelecimentos? A respeito deste tema o Código Civil traz dispositivos (vide artigos 317 e 478 e seguintes) que admitem a revisão judicial dos contratos, independentemente de sua natureza, quando ocorrer um fato imprevisível, extraordinário e superveniente que desequilibre a relação, tornando a “prestação” excessivamente onerosa para uma das partes e gerando extrema vantagem para a outra. Assim, a partir do momento que a Covid-19 acarretou na diminuição drástica do faturamento das lojas e na interrupção dos seus funcionamentos é cabível defender que os contratos de locação dos respectivos pontos comercias merecem ser revistos no sentido de serem contrabalanceados. Nesta ótica, é inegável que os locativos devem ser reduzidos proporcionalmente pelo período que durar o evento, isto é, até que volte à normalidade — entenda-se o nível de faturamento pré-crise.
Os contratos de locação de espaços em espaços em shopping centers, galerias, aeroportos etc. a situação é ainda mais evidente, na medida em que o comerciante depende exclusivamente do fluxo de pessoas no local. Não obstante, mesmo os arrendamentos de imóveis de rua estão sujeitos à revisão à luz da realidade atual, uma vez que, no cenário de hoje, ninguém alugaria os imóveis pelos preços estabelecidos nas avenças locatícias.
Importante salientar que o próprio mercado, sem a necessidade da intervenção do Poder Judiciário, vem promovendo a acomodação temporária das bases contatuais das locações. Como amplamente veiculado na mídia, muitos shopping centers já se comprometeram em fazer razoáveis concessões aos lojistas com extrema sensibilidade e bom senso, bem como outros infelizmente aceitaram apenas conceder meras migalhas. Ademais, também posso afirmar que alguns locadores de pontos de rua igualmente posicionaram-se nesta linha. Diante deste quadro, tendo em vista que o próprio mercado assim se movimentou, é inquestionável o cabimento da revisão dos contratos de locação por força das medidas sanitárias determinadas em função da pandemia do coronavírus.
Por fim, uma dúvida que surge é se somente os aluguéis e as chamadas “luvas” merecem ser revistos, uma vez que se configuraram como prestações remuneratórias dos locadores, ou se também os encargos precisam ser adaptados no período. Novamente vale destacar que o assunto é relevante para o segmento de shopping centers, considerando a estruturação do custo de ocupação destas locações que envolvem, além do aluguel mínimo, percentual e em dobro em dezembro, a cobrança das verbas condominiais, do fundo de promoção, das despesas específicos (água, energia, IPTU etc.) e outros. O mercado está dizendo que sim, mesmo os encargos devem ser revistos, o que demonstra que eventual pleito judicial neste espectro tem razoabilidade econômica e jurídica. Uma boa parte dos centros de compras declararam abertamente que irão abonar parcialmente o condomínio (alguns substancialmente) e reduzir ou isentar a contribuição dos inquilinos para o fundo de promoção. Ora, a situação que estamos vivendo é excepcional e, portanto, obriga que as partes se adequem para o presente momento, sob pena de incorrer em omissão. No mundo dos shopping centers e em outros negócios análogos a medida apropriada a ser tomada é diminuir os custos de ocupação para o menor patamar possível, de modo que somente sejam geradas as despesas essenciais para o resguardo do empreendimento e dos bens dos lojistas lá armazenados.
*Daniel Alcântara Nastri Cerveira, advogado, sócio do escritório Cerveira, Bloch, Goettems, Hansen & Longo Advogados Associados, autor do livro “Shopping Centers – Limites na liberdade de contratar”, São Paulo, 2011, Editora Saraiva, professor dos cursos MBA em Varejo e MBA em Gestão de Franquias da FIA — Fundação de Instituto de Administração e da Pós-Graduação em Direito Imobiliário pelo Instituto de Direito da PUC-RJ, Consultor jurídico do Sindilojas-SP e Pós-Graduado em Direito Econômico pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo
Fonte: Capital News, 30 de março de 2020