Com pandemia e crise, shopping de luxo teve até disputa por ponto

Grifes que estão no Iguatemi são impedidas de ir para o CJ Shops, na Rua Haddock Lobo, por causa de cláusula de raio. Se forem, têm de pagar multa

Fátima Fernandes

Se existe um setor que quer apagar da história o ano de 2020 é o de shopping centers. O público sumiu e o embate com lojistas para a redução de aluguéis já chegou à Justiça.

Mas tem um segmento de lojas que parece estar otimista com os negócios no Brasil, aquele que atua com produtos luxo, como joias, roupas, sapatos, perfumes e acessórios.

Em um dos endereços mais famosos dos Jardins, na Rua Haddock Lobo, onde funcionou o restaurante e a Casa Fasano, deve ser inaugurado ainda neste ano um shopping de luxo.

O Cidade Jardim Shops, ou CJ Shops, um empreendimento da JHSF Participações, em construção há anos, informa que todas as 60 lojas e os espaços para restaurantes estão alugados.

Mesmo em meio à maior crise sanitária e econômica que o país viveu nos últimos anos, houve casos de fila de espera para determinados pontos, de acordo com a JHSF.

O grupo está trazendo marcas que ainda não estiveram no Brasil, como as grifes Isabel Marant, que leva o nome de estilista, e Inès de la Fressange, modelo francesa, estilista e perfumista.

A Gucci será uma das âncoras do novo shopping, que também vai reunir as francesas Balmain e Chloe e as italianas Brunello Cuccinelli, René Caovilla, Aquazzura e Emilio Pucci.

Os preços podem dar uma ideia do peso dessas grifes. Uma calça jeans da Balmain pode custar cerca de R$ 5 mil, um sapato da René Caovilla, R$ 10 mil, e um tênis da Emilio Pucci, R$ 4.300.

CLÁUSULAS DE RAIO E EXCLUSIVIDADE

A inauguração do CJ Shops acabou trazendo à tona uma discussão antiga entre shoppings e lojistas sobre cláusulas de raio e de exclusividade existentes em alguns contratos.

Pelo menos três grifes com lojas hoje no shopping Iguatemi com interesse no novo endereço do luxo tiveram de desistir exatamente por conta dessas cláusulas.

“Como não há definição se são lícitas ou ilícitas, as marcas foram obrigadas a desistir, no momento, de ir para o CJ Shops”, afirma Daniel Cerveira, advogado das lojas.

O CJ Shops, diz ele, será um dos mais fortes concorrentes do shopping Iguatemi. Cerca de 2,5 quilômetros separam os dois empreendimentos.

É exatamente esta distância, descrita em contrato, que algumas marcas que estão no Iguatemi precisam respeitar na hora de abrir uma loja em outro local.

Grifes que estão hoje no Iguatemi estão consultando advogados para tentar contornar as cláusulas de raio e de exclusividade em seus contratos de locação.

Se descumprirem as clausulas, há incidência de multa com base no valor da locação.

Pesquisa feita em processos judiciais identificou pelo menos três contratos vigentes de lojas (Arezzo, Bayard e Fast Shop) com o Iguatemi que constam as duas cláusulas.

O Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), diz Cerveira, já condenou duas vezes o Iguatemi, no passado, por uso dessas duas cláusulas.

Uma tratava de exclusividade em disputa com o shopping Jardim Sul. Outra, de cláusula de raio, em ação movida pela procuradoria do Cade.

“Na época, o Cade entendeu que essas cláusulas eram abusivas, infringiam a ordem econômica, cerceavam a livre concorrência e as opções do consumidor”, diz o advogado.

O Iguatemi, de acordo com Cerveira, entrou na Justiça Federal com duas ações para anular as decisões do Conselho Administrativo de Defesa Econômica.

No processo da cláusula de raio, o Iguatemi teve uma sentença a seu favor. Com relação à exclusividade, ainda não há sentença proferida no processo, segundo Cerveira.

Como estes casos, há outros envolvendo outros shoppings, diz ele, como o Center Norte, que também foi condenado pelo Cade, no passado, pelo uso de cláusula de raio.

Na ação que promove contra o Cade para anular a condenação, o Center Norte perdeu em primeira e segunda instancias.

Em 2015, diz ele, o Cade também firmou compromisso de cessação de prática com o North Shopping Fortaleza.

O shopping teve de reduzir em seus contratos de cinco quilômetros para dois quilômetros a cláusula de raio e fixar um prazo de cinco anos para a de exclusividade.

“Os meus clientes estão com receio de ir para a Justiça porque não têm certeza de vitória. Mas sabem que essas cláusulas são nocivas, que acabam manipulando o mercado”, diz Cerveira.

Um morador dos Jardins, por exemplo, diz ele, precisa ter opção de compra, e não ficar limitado a apenas um shopping, caso queira comprar um produto de luxo.

Procurado, o Iguatemi informa, por meio de sua assessoria de imprensa, que as cláusulas de raio e exclusividade são antigas e comuns em contratos entre lojistas e shoppings.

A JHSF informa que defende a livre concorrência e “lamenta esse tipo de atitude” da concorrência.

“Vale ressaltar que, mesmo com esse tipo de prática ainda ocorrendo no mercado, a ocupação do Shops já chegou a 100%”, informa a empresa.

A JHSF, que também é dona do Shopping Cidade Jardim, informa que possui “parcerias sólidas e de longo prazo com os lojistas no segmento de alta renda, que viram o Shops como um ponto estratégico para a expansão.”

O Iguatemi informa que “segue comprometido com os seus lojistas e que, desde o início da pandemia, focou seus esforços em conceder liquidez para todos, com isenções, descontos nas linhas de aluguel, condomínio e fundo de promoção.”

Fonte: Diário do Comércio, 8 de setembro de 2020

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