Celular com defeito não dá direito à troca imediata por fabricante

TRF da 1ª Região coloca um ponto final em disputa que se arrastava desde 2010 na Justiça

Adriana Aguiar

Os fabricantes de celular venceram uma importante discussão na Justiça, que se arrastava desde 2010. Decisão final do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, com sede em Brasília, confirma que as indústrias não são obrigadas a fazer a troca imediata de aparelho com defeito. Vale o prazo de 30 dias para a entrega de um novo produto ao consumidor. Não cabe mais recurso.

O entendimento foi adotado em ação civil pública movida pela Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), que abrange praticamente todo o setor. Portanto, a medida deve valer para todas as empresas. Com base na decisão, elas poderão inclusive cancelar multas aplicadas com base em norma da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) que as obriga a trocar imediatamente celulares com defeito.

A norma, a Nota Técnica nº 62, foi editada em 2010 para tratar o celular como um produto “essencial”. Tem como base o parágrafo 3º do artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que prevê a rápida troca em caso de produto assim classificado.

Fundamentadas nessa nota técnica, milhares de consumidores passaram a registrar reclamações nos Procons. Foram abertos processos administrativos e fabricantes foram multados na ocasião.

No ano de 2010, os Procons registraram 107.227 reclamações contra empresas de telefonia celular. Elas foram as segundas do ranking, perdendo só para as empresas de cartão de crédito, segundo dados do Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec), da Senacon, ligada ao Ministério da Justiça. Este ano, as empresas de telefonia são as líderes do ranking de atendimentos nos Procons, gerando até agora cerca de 45,5 mil atendimentos.

Na ação civil pública, a Abinee alegou que o caráter de essencialidade não poderia ser definido por uma nota técnica da Senacon. E sem essa definição válida, teria que vigorar o prazo de 30 dias para a troca, como prevê o parágrafo 1º, do artigo 18, do Código de Defesa do Consumidor.

De acordo com o advogado Guilherme Rizzo Amaral, que atuou no caso, hoje CEO do Souto Correa Advogados, quando a nota foi emitida causou perplexidade no setor. “É muito difícil em uma análise visual detectar a origem do vício do celular, se seria oxidação ou umidade, que seria de responsabilidade do consumidor, ou se realmente seria um defeito sem possibilidade de reparo”, diz ao acrescentar que o conceito de essencialidade é, em geral, usado para alimentos ou medicamentos.

O impacto no mercado só não foi maior, segundo Amaral, porque, em outubro de 2010, a Abinee obteve liminar para suspender essa exigência. Depois, sentença favorável. A decisão proibia o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), por meio dos Procons, de aplicar sanções e instaurar procedimentos administrativos contra fabricantes de celulares. A União recorreu ao TRF.

Ao analisar o caso, o relator, desembargador Jirair Meguerian entendeu que “os pronunciamentos judiciais são uníssonos no entendimento de que não há base legal para que a indigitada nota técnica pudesse dispor sobre a essencialidade dos aparelhos celulares, à míngua da existência de lei ou ato normativo que viesse a disciplinar a questão” (processo nº 0041735-81.2010.4.01.3400).

A União insistiu na questão e recorreu à vice-presidência do TRF para tentar levar recurso ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). O pedido foi negado pelo vice-presidente, o desembargador Francisco de Assis Betti, em decisão de janeiro deste ano. Segundo o magistrado não existem os requisitos para admitir a subida do recurso. Além disso, afirma que a nota técnica da Senacon, “acabou por suprimir um direito dos fornecedores, que é o direito de sanar o defeito ou vício do produto no prazo de 30 dias”.

A advogada Ellen Gonçalves Pires, sócia do PG advogados, que foi coordenadora da Comissão de Telefonia Móvel da Abinee, considera esse entendimento uma importante vitória para a indústria. Para ela, exigir a troca imediata dos celulares impede que a empresa averigue se há de fato um problema de fabricação no produto ou se houve um mau uso. “Os aparelhos eletrônicos em geral são incompatíveis com água, por exemplo”, diz.

Como a ação civil pública foi movida pela Abinee, praticamente todas as fabricantes, entre elas LG e Samsumg, estão protegidas com a decisão, segundo Ellen. A advogada acrescenta que cada fornecedor poderá acionar o Poder Judiciário e suscitar o cancelamento de eventuais multas sofridas.

Ex-chefe de gabinete do Procon-SP, advogado Vinicius Zwarg, do Emerenciano, Baggio e Associados, afirma que a decisão do TRF foi acertada porque nem sempre o celular pode ser considerado essencial. Deve ser tratado caso a caso. “Se é um aparelho usado na emergência de um hospital, por exemplo, ele pode ser considerado essencial, mas se é o celular de uma pessoa aposentada, que usa para ver as redes sociais, não”, diz.

Nas situações em que o consumidor comprovar que o aparelho é essencial, acrescenta o advogado, pode haver decisão favorável no Judiciário. “Ainda está em vigor o prazo imediato do Código de Defesa do Consumidor.”

Procurada pelo Valor, o Ministério da Justiça não deu retorno até o fechamento da edição. A Advocacia-Geral da União (AGU) informou que caberia à Senacon comentar o assunto.

Fonte: Valor Econômico, 29 de abril de 2022

Share on twitter
Share on facebook
Share on linkedin
Share on email
Podemos ajudar?