Decisão afasta aplicação da sucessão de passivo fiscal em operação de troca de ativos
Bárbara Pombo
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) abriu, recentemente, um precedente para afastar a responsabilidade de uma empresa de pagar débitos tributários de outra, após reorganização societária chamada de “drop down”. Nesse tipo de operação, há uma troca de ativos: uma companhia transfere ativos ou passivos para outra e, em contrapartida, recebe participação acionária.
A manifestação do Carf é relevante, segundo Caio Malpighi, tributarista da VBSO Advogados porque a legislação societária brasileira não prevê esse tipo de reorganização. No Judiciário, os entendimentos sobre o assunto são divergentes – levantamento da banca feito a pedido do Valor identificou 11 decisões. “Além disso, operações de drop down têm ganhado proeminência em reestruturações societárias no Brasil nos últimos anos”, afirma.
São operações corriqueiras e servem, sobretudo, para organizar e segregar atividades dentro de um grupo econômico, explica o advogado Luiz Henrique Vieira, sócio do Bichara Advogados.
Essa discussão chegou ao Carf a partir de recurso da empresa do setor de alimentos JBS. No ano de 2007, a partir de um drop down, a Bertin Ltda. transferiu ativos e passivos relacionados à atividade de frigorífico para a Bertin S/A. Dois anos depois, a JBS incorporou a Bertin S/A. Porém, o Fisco exigiu da empresa de alimentos débitos tributários da Bertin Ltda.
Segundo advogados, a disputa com o Fisco ocorre porque o drop down não está previsto no Código Tributário Nacional (CTN) como hipótese de responsabilidade tributária por sucessão empresarial. O artigo 132 do CTN estabelece que “a pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão, transformação ou incorporação de outra ou em outra é responsável pelos tributos devidos”.
Para Diana Piatti Lobo, sócia do Machado Meyer Advogados, a principal discussão do julgamento no Carf é se a uma empresa estaria obrigada a responder por débitos de outra apenas nas hipóteses expressamente previstas no dispositivo do CTN.
“Existe uma lógica para o legislador ter elencado situações em que ocorre a redução de patrimônio para a responsabilização tributária dos sucessores”, diz. No drop down, acrescenta, “há transferência patrimonial, sem perda de riqueza”.
No recurso que chegou ao Carf, o Fisco entendeu que ocorreu uma cisão parcial. Isso atrairia a responsabilidade da JBS pelos débitos da Bertin.
Esse entendimento foi derrubado pela 1ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 1ª Seção, por maioria de votos (processo nº 15868.720080/2011-51). Prevaleceu o voto do conselheiro Marcelo Jose Luz de Macedo, para quem as operações de drop down e cisão parcial são diferentes e repercutem de forma diversa no quadro societário e no patrimônio das empresas.
De acordo com Macedo, a responsabilização tributária em caso de cisão total e parcial se explica pelo fato de que a riqueza se transfere de uma empresa para outra. “Ocorre que no drop down tal raciocínio não é possível. O recebimento da participação societária se dá como contrapartida aos bens integralizados na investida”, disse. “Quer dizer, não há uma perda de riqueza por parte da detentora original do bem”.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), por meio de nota enviada ao Valor, diz entender que é juridicamente possível a atribuição de responsabilidade solidária quando os contribuintes usam a operação de drop down.
Cita decisão da 1ª Turma da 1ª Câmara da 1ª Seção, de 2014, em que o Carf, diz a Fazenda, entendeu possível aplicar a operações de drop down “os mesmos efeitos jurídico-tributários previstos na legislação e na jurisprudência para a cisão parcial” (processo nº 15868.720125/201198).
O Judiciário está dividido sobre o assunto. Ao analisar o caso da JBS e da Bertin, mas em razão de cobrança do Fisco estadual, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) entendeu haver a responsabilidade da empresa do setor de alimentos por débitos de ICMS.
Para os desembargadores da 5ª Câmara de Direito Privado, se trataria de cisão parcial, e não de drop down (processo nº 1004853-78.2019.8.26.0322).
No Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), com sede em São Paulo, há também uma decisão desfavorável ao contribuinte (processo nº 5005129-80.2017.4.03.0000), mas outras três favoráveis. Nelas, os desembargadores reconhecem a operação de drop down entre a Bertin Ltda e a Bertin S.A. (processos nº 5001978-72.2018.4.03.0000, 5018758-82.2021.4.03.0000 e 5005848-62.2017.4.03.0000).
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) pode analisar em breve a repercussão tributária do drop down. Mas com viés diferente. Os ministros vão julgar recurso contra uma decisão do TRF da 4ª Região, com sede em Porto Alegre, do ano passado.
No caso, a Schulz S/A constituiu, a partir de drop down, a Schulz Compressores Ltda. Agora, pede para transferir um regime especial aduaneiro a que tem direito para a subsidiária. O pedido foi negado. Para a 2ª Turma, esse tipo de operação não é hipótese de sucessão tributária.
“Por este motivo, é incabível a pretensão para que seja realizada a transferência da titularidade do ato concessório de drawback obtido pela empresa autora”, afirmou o relator, o juiz convocado Eduardo Garcia (apelação nº 5004284-78.2019.4.04.7201).
Nivaldo Paz, do escritório Martinelli Advogados, que representa o contribuinte na ação, destaca que a disputa é diferente da analisada pelo Carf. “Defendemos que direitos e obrigações da investidora são transferidos para a empresa constituída no drop down”, afirma.
Em nota ao Valor, a Schulz informou que não comenta demandas jurídicas. A JBS foi procurada, mas não respondeu até o fechamento da reportagem.
Fonte: Valor Econômico, 4 de agosto de 2023