Acusada de impedir o acesso de concorrentes aos estabelecimentos, empresa pagará multa de até R$ 150 mil por dia se descumprir a decisão
Eliane Oliveira
A Superintendência-Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (SG/Cade) impôs, nesta quarta-feira, medida preventiva contra o aplicativo de delivery de comida iFood. A empresa está proibida de firmar novos contratos que contenham acordo de exclusividade com restaurantes.
Além disso, até que o caso seja concluído, o iFood também não poderá alterar contratos já celebrados sem cláusula de exclusividade, para fazer constar a previsão restritiva.
Para o caso de descumprimento da medida, o iFood fica sujeito a multa diária no valor de R$ 150 mil, até a decisão final do processo administrativo.
Partiu da concorrente Rappi Brasil a denúncia que deu origem à investigação, em setembro do ano passado. A empresa alega que o iFood tem posição dominante no mercado de pedidos on-line de comida e usa essa condição para adotar práticas restritivas à concorrência, por meio da celebração massiva de contratos de exclusividade com restaurantes parceiros.
Em sua representação levada ao Cade, a Rappi afirma que a estratégia adotada pelo iFood cria forte incentivo à adesão dos restaurantes ao modelo de negócio restritivo, o que provoca fechamento do mercado para plataformas concorrentes.
Além disso, diz a Rappi, a prática tem potencial de causar barreiras à entrada de novas empresas no setor, principalmente porque seriam utilizadas cláusulas contratuais de longo prazo e aplicadas multas pela rescisão da exclusividade prevista.
Após a denúncia da Rappi, a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) também apresentou ao Cade, em dezembro passado, denúncia contra o iFood. A entidade alegou que, desde o início da pandemia, os aplicativos de pedidos on-line de comida passaram a ser canais de vendas ainda mais relevantes para bares e restaurantes, que são os seus filiados.
Desse modo, considerando que o iFood é líder de mercado, a Abrasel afirma que os estabelecimentos teriam se tornado dependentes dos serviços da plataforma, ficando sujeitos a firmar acordos de exclusividade.
Outra concorrente, a Uber Eats entrou com pedido de intervenção como terceiro interessado no processo de investigação no Cade, reforçando os argumentos de que a política de celebração de acordos de exclusividade do iFood constituiria barreiras à entrada e à expansão de concorrentes no mercado.
Exclusividades serão mantidas durante investigação
De acordo com a SG/Cade, soma-se a isso o fato de que o iFood estaria firmando os contratos principalmente com restaurantes considerados estratégicos, que atuariam como chamarizes de clientes para as plataformas. As exclusividades estariam sendo firmadas, inclusive, mesmo após a abertura do procedimento de apuração no Cade.
Na medida preventiva, a SG/Cade definiu que o iFood poderá manter os contratos com cláusula de exclusividade já firmados com parcela de restaurantes que integram a sua carteira. No entanto, no término da vigência, esses contratos somente poderão ser renovados contendo o dispositivo de exclusividade caso seja interesse de ambas as partes, e desde que a empresa observe o limite de um ano de duração (sem limite de renovações por igual período de tempo), até decisão final sobre a ilicitude ou não da conduta pelo Cade.
Por outro lado, se o iFood renovar contrato que continha previsão de exclusividade, pactuando um novo que não insira essa previsão, não poderá incluir o dispositivo em renovações subsequentes, enquanto durar a medida preventiva.
A Superintendência-Geral ressalta, no entanto, que poderá rever, ao longo da investigação, as condições estabelecidas para esses casos, podendo determinar a suspensão dos contratos com exclusividade, caso entenda que tal medida seja importante para garantir a rivalidade no mercado.
Em nota, o iFood informou que recebe com tranquilidade a decisão da Superintendência Geral do Cade. A empresa observou que o órgão manteve em vigor os contratos firmados com os parceiros exclusivos.
“A preservação dos contratos é medida importante para garantir segurança jurídica ao setor e permite que o iFood continue apoiando o crescimento dos seus parceiros exclusivos, especialmente em um momento tão desafiador”, destacou a empresa.
“O iFood tem convicção de que as suas políticas comerciais são legítimas e pró-competitivas, e beneficiam especialmente os próprios restaurantes. A empresa seguirá cooperando com o Cade, como sempre fez, para esclarecer quaisquer dúvidas e preocupações que a autoridade possa ter”.
Já o Rappi considera que a decisão do Cade vai garantir um ambiente competitivo saudável, evitando danos ao mercado como um todo e especialmente aos restaurantes e consumidores.
— Confiamos muito na capacidade técnica e competência do Cade, e essa decisão vai favorecer consumidores e restaurantes, assim como, naturalmente, todo o ecossistema de delivery, que se tornou tão importante durante a pandemia. Esse é o primeiro passo para que o mercado de entregas no Brasil se torne mais sustentável e competitivo — disse o presidente da empresa no Brasil, Sergio Saraiva.
Em nota, a Uber Eats destacou que a decisão é o primeiro passo para que se alcance um ambiente de competição mais justo e transparente no Brasil. “Além disso, esperamos que a medida preventiva ajude os restaurantes a terem mais autonomia para tomar as melhores decisões sobre os seus negócios sem medo de sofrer qualquer tipo de retaliação.”
O presidente da Abrasel, Paulo Solmucci, disse que a medida atende o setor, que está cada vez mais dependente do delivery, por causa da pandemia. A falta de concorrência faz com que os restaurantes acabem pagando taxas maiores.
— Esses contratos de exclusividade davam privilégios aos restaurantes que contratavam o iFood e todos os demais estabelecimentos eram obrigados a se submeter à empresa. Ainda que a medida atinja contratos futuros, é excelente — afirmou.
Fonte: O Globo, 10 de março de 2021