Estudo do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da FGV Direito SP traça perfil do profissional desejado pelos escritórios
Adriana Aguiar
O advogado que busca uma carreira bem-sucedida em escritório de advocacia precisa mostrar mais do que o tradicional domínio técnico do Direito. Passaram a ser requisitadas pelo mercado habilidades como gestão de negócios, competências socioemocionais e conhecimento tecnológico. É o que aponta um estudo realizado pelo Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (Cepi/FGV Direito SP).
Apresentado com exclusividade ao Valor, em homenagem ao Dia do Advogado, o relatório “Formando a Advocacia do Presente e do Futuro – Habilidades de Pesquisa e Atuação” é um mapa de habilidades e competências inédito, que traduz as transformações na advocacia.
O levantamento, que será divulgado em debate na FGV Direito SP no próximo dia 31, foi realizado com a participação de 400 bancas de advocacia de todos os portes atuantes em diferentes regiões do país. Os dados foram coletados entre setembro e novembro de 2022.
Ao elencar quais seriam as habilidades mais importantes para um advogado, por ordem de prioridade, 39% responderam que a formação jurídica ainda fica em primeiro lugar. Um total de 26% escolheu competências em gestão como uma das mais importantes, enquanto 20% consideraram mais relevantes as habilidades socioemocionais e, por fim, 15% apontaram “conhecimentos tecnológicos”. Somadas, as competências extrajurídicas totalizam 61% das habilidades mais desejadas pelas bancas.
O estudo foi coordenado por Olívia Pasqualeto, advogada e professora da FGV, e Ana Paula Camelo, pesquisadora do Cepi/FGV Direito SP. Elas destacam que, embora o conhecimento jurídico continue sendo a base essencial, “ele sozinho já não é mais suficiente”. Olívia faz a ressalva, contudo, de que não são necessárias todas as competências ao mesmo tempo, “mas outras habilidades têm ganhado cada vez mais espaço”.
Essa demanda nasce nas empresas que são clientes dos escritórios de advocacia, segundo Adrián Fognini, managing director da América Latina da Thomson Reuters, empresa global de conteúdo e tecnologia e apoiadora do estudo do Cepi/FGV Direito SP. Para ele, as companhias preferem lidar com profissionais que tenham mais habilidade socioemocional, saibam de tecnologia e tenham um alto grau de conhecimento sobre os seus negócios.
Nos grandes escritórios, essas novas competências já são consideradas. De acordo com o advogado José Mauro Decoussau, do Pinheiro Neto, que participou da pesquisa, o conhecimento jurídico é absolutamente indispensável, mas assim como no mundo corporativo em geral, o profissional que desenvolve o conhecimento em tecnologia e se sobressai com relação às “soft skills”, ao saber trabalhar em equipe, aguentar pressão para resolver problemas e ter empatia com os outros, tem um diferencial. “Esses profissionais que se adaptam vão mais longe na carreira do que aquele que, apesar de ter um conhecimento técnico, não sabe se relacionar”, diz.
Essa mesma tendência também tem sido percebida em escritórios de advocacia médios e pequenos. O advogado Otávio Vieira Tostes, do Tostes & De Paula, também participante da pesquisa, afirma que o profissional que consegue resolver o problema, é criativo, hábil para fazer acordos e age com empatia “tem sido mais valorizado”.
O interesse e busca de conhecimento sobre novas tecnologias também têm sido requisitados. “Não precisa ser um expert, mas o advogado que sabe como usar novas ferramentas de inteligência artificial para a tradução de textos, busca de jurisprudência, entre outras, tem mais chance de se sobressair”, diz José Mauro Decoussau.
As pesquisadoras destacam que os profissionais já superaram aquele primeiro receio de que a inteligência artificial substituiria o trabalho da advocacia por robôs. De acordo com o levantamento, 93% acreditam que a tecnologia será um critério diferencial entre as bancas nos próximos cinco anos, 92% pensam que a advocacia será muito impactada pela tecnologia, com a necessidade de se reinventar algumas práticas, e só 38% acreditam que a tecnologia não impactará a atuação do advogado.
O uso da tecnologia no mercado jurídico, segundo a pesquisadora Ana Paula Camelo, extrapola a discussão restrita sobre ferramentas. Para ela, cada vez mais tem repercutido na criação de novas áreas, funções e serviços jurídicos, juntamente com novas oportunidades para diferentes perfis de profissionais.
Nos últimos cinco anos, conforme revela a pesquisa, as bancas começaram a criar novas áreas. Um total de 39% dos escritórios afirma que abriu um departamento ligado a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) – Lei nº 13.709, de 2018. Além disso, 35% das bancas criaram uma área de marketing, 26% de negociação, mediação e conciliação (as formas alternativas ao Judiciário para a resolução de conflito), 26% de gestão do conhecimento e 26% de gestão de inovação – questões sobre áreas admitiram respostas múltiplas.
Sobre essas novas áreas, 33% reconheceram que criaram esses novos departamentos por demanda de clientes e 17% por iniciativa de profissionais da banca. Já 30% disseram que o motivo seria inovar na prestação de serviços jurídicos e 29% para implementar ou melhorar a estrutura tecnológica. Porém, 48% dos escritórios afirmaram não terem criado novas áreas nos últimos cinco anos.
Segundo José Mauro Decoussau, do Pinheiro Neto, até agora os escritórios tinham um plano de carreira no formato de pirâmide, com estagiários na base, depois recém-formados, juniores, seniores e sócios, mas isso pode mudar em um futuro próximo. “Vão ter que pensar também nas carreiras de outros profissionais [como engenheiros e especialistas em marketing]”, diz.
Essa diversidade de profissões nos escritórios de advocacia é uma outra tendência que deve se consolidar, de acordo com Adrián Fognini, da Thomson Reuters. Para ele, a depender do problema que o escritório tem que resolver, será necessário recorrer a expertises de outras áreas como genética, economia e engenharia. “São discussões que envolvem múltiplas facetas, não só jurídicas, e o conhecimento de outras áreas agrega valor.”
O estudo também se preocupou em avaliar como os escritórios têm contratado profissionais. Segundo a pesquisa, 96% avaliam currículo e formação, 95% preferem entrevista individual, para avaliar comportamento e conhecimento, e 90% recorrem à indicação de terceiros.
Em médios e pequenos escritórios, afirma o advogado Otávio Vieira Tostes, a indicação ainda é muito adotada porque facilita a contratação de profissionais que já foram testados e recomendados pelo mercado. Já nas bancas maiores, como no Pinheiro Neto, José Mauro Decoussau acrescenta que é preciso passar por um processo seletivo rigoroso, com prova de língua estrangeira, conhecimentos gerais, conhecimentos jurídicos e entrevistas. “Ainda que a indicação exista, as provas são eliminatórias.”
Na contratação, o que mais tem faltado ao advogado, conforme o estudo, é o essencial: conhecimento jurídico. Sobre isso, 25% afirmaram não ter nenhuma estratégia para lidar com as lacunas de formação dos profissionais, 31% financiam cursos para advogados específicos, 36% recorrem a programas internos e 41% financiam cursos para todos os advogados interessados.
Fonte: Valor Econômico, 11 de agosto de 2023