Aspectos jurídicos do contrato atípico de locação de shopping

Após a análise da viabilidade de ingressar no empreendimento, o lojista tem duas opções no fechamento do negócio:

a) assinar o contrato de locação por prazo inferior a cinco anos, hipótese que não é compatível com o pagamento de luvas;

b) assinar o contrato de locação por cinco anos ou mais, simultaneamente, com outro instrumento, que pode possuir as mais variadas denominações, correspondente a compra do ponto comercial (luvas).

Embora sejam contratos atípicos mistos, as locações em shopping centers são reguladas pela Lei nº 8.245/91, sendo importante salientar alguns aspectos referentes ao ponto comercial ou fundo de comércio, que são expressões equivalentes.

Fundo de comércio são os bens imateriais ou incorpóreos que integram o estabelecimento comercial e, normalmente, ultrapassam em valor econômico os bens materiais, conferindo-lhe capacidade de produzir lucro, como por exemplo: a clientela, a forma de atendimento, a comodidade, a vizinhança, a confiança na qualidade, etc.

Nas palestras por mim ministradas, por todo o território nacional, sempre saliento que o ponto comercial é o verdadeiro patrimônio do lojista. É aquele em que o comerciante ou empresário situa seu estabelecimento e é de suma importância para o êxito de seus negócios.

No caso especificado na letra “a”, (contratos de locação com prazo inferior a cinco anos), o lojista não terá direito a renovação compulsória do contrato de locação, por não preencher os requisitos legais, ficando à mercê do empreendedor a continuidade de seus negócios, pois este poderá promover Ação Ordinária de Despejo (denúncia vazia).

A retomada imotivada ou denúncia vazia é regulada pela Lei nº 8.245, de 18/10/91, na qual o locador (empreendedor) tem a faculdade de rescindir a locação, alegando, simplesmente, que não mais lhe convém a continuidade da relação locatícia.

O empreendedor/locador, antes do término do contrato de locação, é obrigado a notificar o lojista, manifestando a sua vontade de retomar o imóvel. Caso o lojista não o desocupe um dia após a data do vencimento do contrato de locação, ficará sujeito a Ação Ordinária de Despejo que deverá ser ajuizada, nesse caso, imediatamente.

Nos casos em que o contrato de locação já estiver vencido, o empreendedor deverá notificar o lojista, nos mesmos termos da notificação já mencionada, dando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias para a desocupação voluntária. Não sucedendo a desocupação do imóvel, o empreendedor deverá ingressar com a mesma demanda judicial a que se refere o tópico anterior.

O direito de defesa do lojista é constitucionalmente previsto.

Ocorrendo a demanda com a procedência do pedido do empreendedor, o que comumente acontece, e havendo Recurso de Apelação por parte do lojista, e se aquele desejar executar a sentença (despejo imediato), antes do seu trânsito em julgado, ou seja, antes de o processo tramitar nas instâncias superiores, deverá o empreendedor, depositar em juízo o valor correspondente a 12 aluguéis vigentes, ou se preferir, dar em caução um bem imóvel, comprovadamente de sua propriedade, e, só assim, obterá a desocupação coercitiva do imóvel locado.

É importante ressaltar, que o lojista perderá quaisquer importâncias eventualmente pagas, como por exemplo: taxas, adiantamentos para reserva de ponto e etc., além das benfeitorias que, geralmente, por força de cláusula contratual, se incorporam ao imóvel.

Poderá, portanto, retirar, apenas e tão somente: mercadorias, araras, estantes, caixa registradora e outros bens, desde que não danifiquem o imóvel. Nessas situações, o lojista não terá direito a nenhuma indenização concernente ao seu Fundo de Comércio.

No caso especificado na letra “b”, quando do fechamento do negócio com o empreendedor, o lojista assina um contrato de locação, com prazo de vigência de cinco anos ou mais, como também um outro instrumento, que pode ter as mais variadas denominações, correspondente à compra do ponto comercial (luvas).

Nesta hipótese, desde que preenchidos todos os requisitos legais, o lojista terá direito à renovação compulsória de seu contrato de locação, que tem por objetivo proteger o fundo de comércio. Em síntese, para a propositura da ação renovatória, o lojista deverá preencher os requisitos básicos abaixo discriminados:

– prova de ter celebrado contrato por escrito e com prazo determinado e que o prazo mínimo (ou soma de prazos ininterruptos) seja de cinco anos ou mais;

– exploração do comércio, no mesmo ramo, pelo prazo mínimo de três anos;

– prova do exato cumprimento de suas obrigações do contrato em curso, como: aluguel, condomínio, fundo de promoção, seguro, impostos, taxas, etc;

– indicação clara e precisa das condições oferecidas para a renovação da locação, no que diz respeito ao valor do aluguel: tanto concernente ao valor mínimo, como também, ao valor percentual;

– indicação clara e precisa quanto ao prazo contratual e a forma de reajuste (que atualmente somente poderá ser a anual);

– declaração dos fiadores aceitando a renovação do contrato e os encargos da fiança, se forem os mesmos. Se forem outros, sua qualificação completa, comprovando, desde logo, sua idoneidade financeira, por meio de certidões dos distribuidores forenses e, conforme o caso, certidões imobiliárias junto ao Registro de Imóveis competente, atestando a qualidade de proprietários;

– Laudo Provisório – Apesar de não ser requisito essencial para instruir a demanda renovatória, a experiência nos ensina que o laudo provisório é de suma importância, para o convencimento do julgador, de que o valor da proposta é condizente com a realidade do mercado imobiliário à época da propositura da ação.

O lojista quando ingressa no empreendimento, como já dito anteriormente, assina o contrato de locação, outro instrumento, cujas denominações são as mais variadas (luvas), aderindo, também, às normas gerais regedoras do centro de compras que faz parte integrante destes instrumentos.

Geralmente, as normas regedo-ras estão materializadas em uma Escritura Pública Declaratória, na qual o lojista obriga-se entre outras obrigações a:

a) aceitar os princípios específicos que regem o funcionamento do shopping center, tal como foi concebido;

b) acatar as disposições constantes e aquelas cuja orientação, no futuro, o empreendedor imprimir à administração do shopping center;

c) reconhecer a tipicidade da locação do shopping center, em que se associam locador e locatário visando a um lucro comum;

d) não invocar, em qualquer tempo, como impedimento da ação da administradora do shopping center ou excludente dos encargos por ele assumidos, qualquer norma jurídica não prevista como regedora da locação contratada, ainda que superveniente.

A maioria das cláusulas converge em favor do empreendedor, que se julga a única parte da negociação, esquecendo-se, como sempre, que o seu parceiro é o lojista; e mais, que tanto um como outro tem o mesmo objetivo, ou seja, um lucro comum.

Convenhamos que as normas gerais deveriam de apresentar prudente dose de bilateralidade, para que se evite a superioridade escravizante do empreendedor sobre o lojista. Assim, para evitar-se que as cláusulas impostas constantes das normas gerais se cristalizem em contratos leoninos, é preciso que o Estado Juiz intervenha, objetivando o justo equilíbrio que deve existir entre o lojista e o empreendedor.

Com o advento do Código do Consumidor e a sua abrangência, nas palavras de Arruda Alvim, posso afirmar que:

“Em decorrência do estabelecido no art. 1º, a normatização tratada no presente Código do Consumidor é de ordem pública e interesse social, de onde se infere que os comandos dele constantes são de natureza cogente, ou seja, não é facultada às partes a possibilidade de optar pela aplicação ou não de seus dispositivos, que, portanto, não podem ser afastados pela simples convenção dos interessados, exceto havendo autorização legal expressa. (grifos meus).

Tais normas de ordem pública, em função de sua inerente cogência, portanto “incidirão até mesmo e apesar da vontade contrária dos interessados”. O ius cogens é forma de proteção do interesse social porque tutela “instituições jurídicas fundamentais e tradicionais, bem como as que garantem a segurança das relações jurídicas e protegem os direitos personalíssimos e situações jurídicas que não podem ser alteradas pelo juiz e pelas partes por deverem ter certa duração”. (grifos meus).

Apesar de existirem correntes divergentes a respeito da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às locações, em meu entendimento tem plena coerência aquelas que ousam enfrentar o tema, uma vez que há consenso unânime da característica de atipicidade mista dos contratos firmados entre lojistas e empreendedores.

Além do mais, como não existe uma legislação específica que regule, na sua integralidade, as relações entre lojistas e empreendedores, e, com o advento do Código de Defesa do Consumidor, por analogia, essas disposições, contidas nas normas gerais regedoras do empreendimento, poderão ser suscetíveis de discussões jurídicas, que seriam desnecessárias se houvesse, por parte do locador/empreendedor, a consciência da justa e perfeita parceria.

Não há dúvida que o lojista se submete a essas normas gerais por ser a parte mais fraca da relação contratual e, principalmente, pelo fato de que se não se sujeitar a elas, não ingressa no empreendimento.

É importante ressaltar que o lojista, geralmente, não tem conhecimento da existência das normas gerais regedoras do empreendimento, e quando tem ciência, já está desgastado, para não se dizer esgotado, das tratativas preliminares com o empreendedor.

Acredito que deveria haver uma norma legal, idêntica àquela existente na Lei das Franquias, na qual fosse estabelecido o prazo de dez dias, anteriores à assinatura do contrato principal, para análise de toda a documentação pertinente ao negócio.

Mario Cerveira Filho
(*) O autor é Advogado do escritório Cerveira Advogados Associados, em São Paulo, Capital.

Artigo publicado: Diário das Leis, 20 de janeiro de 2004

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