As lojas de aeroportos estão protegidas pela ação renovatória de contrato de locação

Por Daniel Cerveira

A Lei do Inquilinato (Lei 8.245/91) confere direitos importantes às companhias que locam imóveis para fins não residenciais, na qualidade de locatárias, para explorarem as suas atividades. Sob tal ótica, é fundamental os agentes de mercado conhecerem profundamente os termos legais, com destaque para a chamada ação renovatória de contrato de locação, a qual tem como função garantir a continuidade dos contratos de locação, bem como propiciar um valor de aluguel real e justo.

Caso não existisse a ação renovatória, os locadores poderiam livremente impor aluguéis abusivos e cobranças reiteradas de luvas, sob a constante ameaça de despejo, vez que, depois de formado o fundo de comércio, o lojista pode ter tudo a perder, na hipótese de ficar sem o seu ponto comercial.

Nesse contexto, cumpre esclarecer que os lojistas têm 02 formas de adentrar nos aeroportos para fins de instalar seus estabelecimentos, a depender se o campo de aviação é operado pela INFRAERO ou por empresa concessionária. Na primeira situação o comerciante precisará participar de uma licitação púbica, hipótese em que, vencendo o certame, celebrará um contrato administrativo. No segundo caso caberá aos lojistas negociar com a companhia concessionária e firmar um contrato de locação de direito privado.

No caso dos contratos administrativos não há que se falar em ação renovatória, visto que não há previsão legal. Ou seja, se existir interesse do lojista em continuar no ponto comercial após o término do contrato administrativo, será necessário que vença nova licitação.

No que tange aos aeroportos “privatizados”, primeiramente, impõe destacar que, independentemente do nome dado, os contratos assinados com os lojistas têm natureza de locação, na medida em que envolve a cessão onerosa de espaço/imóvel. Ato contínuo, é necessário ponderar se este pacto é coberto ou não pela Lei do Inquilinato.

Com efeito, a ação renovatória está prevista na Lei do Inquilinato, isto é, exclusivamente os locatários de arrendamentos regidos por essa lei é que estão amparados pela referida demanda. A Lei do Inquilinato, por seu turno, prevê em seu artigo 1º, parágrafo único, item 1, que permanecem regidas pelo Código Civil e leis especiais as locações de imóveis de propriedade da União, dos Estados e dos Municípios, de suas autarquias e fundações públicas.

Diante do texto legal retro, criou-se a dúvida sobre a incidência ou não da Lei 8.245/91 nos casos em que empresa concessionária de bem público celebra contratos de locação com particulares para fins de instalação e operação de estabelecimentos comerciais, tais como, lojas, restaurantes, entre outros, como ocorrem nas concessões de aeroportos, estações de metrô, terminais de ônibus, parques etc.

O item 1, do parágrafo único, do artigo 1º, retro deve ser acionado somente quando o ente público diretamente oferece o imóvel para locação, não devendo ser levado em conta nas hipóteses em que o bem é explorado por empresa concessionária.

Com exceção dos casos envolvendo os aeroportos, existe jurisprudência que defende que, quando a empresa concessionária aluga espaços para atividades estritamente privadas (como ocorre com as lojas, restaurantes etc.), a relação com o inquilino é regida pela Lei do Inquilinato (vide TJ/SP, apelação nº 9062974-91.1998.8.26.0000, j. 09/03/2010).

No que se refere aos aeroportos, as concessionárias, além do artigo 1º acima citado, também utilizam o artigo 42 do Código Brasileiro de Aeronáutica para embasar o entendimento no sentido de afastar a Lei de Locações nas relações com os seus lojistas, existindo, ainda, o artigo 87 do Decreto-Lei nº 9.760, de 5.9.1946, que também remete para a ideia da não incidência da referida lei. Há alguns poucos precedentes judiciais nessa linha, ou seja, o assunto carece de amplo debate nos Tribunais.

Partindo-se de uma interpretação lógico-sistemática, urge elucidar que o modelo de concessões no Brasil, seguido após a entrada em vigor da Constituição de 1988, determina que as relações entre as empresas concessionárias e os comerciantes são exclusivamente de direito privado, uma vez que que, como as primeiras não têm o dever de licitar, não há que se falar em utilizar os direitos direcionados unicamente aos Poderes Públicos. Nesse diapasão, é evidente que se aplica a Lei do Inquilinato nos cenários descritos.

Pelo exposto, independentemente do nome dado ao pacto firmado entre a concessionária e o lojista, desde que estejam preenchidos os requisitos respectivos (cessão onerosa de espaço urbano), a avença é regida pela Lei de Locações, bem como, portanto, o locatário tem o direito de ingressar com a ação renovatória. É preciso que o Poder Judiciário esteja atento aos litígios sobre o tema, a fim de evitar situações injustas, considerando que somente interessa às concessionárias afastar a regência da Lei 8.245/91.

*Daniel Cerveira, sócio do escritório Cerveira, Bloch, Goettems, Hansen & Longo Advogados Associados. Autor dos livros “Shopping Centers – Limites na liberdade de contratar”, São Paulo, 2011, Editora Saraiva, e “Franchising”, São Paulo, 2021, Editora Thomson Reuters Revista dos Tribunais, prefácio do Ministro Luiz Fux, na qualidade de colaborador. Consultor Jurídico do Sindilojas-SP. Integrante da Comissão de Expansão e Pontos Comerciais da ABF – Associação Brasileira de Franchising. Pós-Graduado em Direito Econômico pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV/SP) e em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Atuou como Professor de Pós-Graduação em Direito Imobiliário do Instituto de Direito da PUC/RJ, MBA em Gestão em Franquias e Negócios do Varejo da FIA – Fundação de Instituto de Administração e Pós-Graduação em Direito Empresarial da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Artigo publicado: Central do Varejo, 30 de setembro de 2024

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