Tem-se, portanto, que responsabilidade da concessionária é objetiva, obrigando-a responder pelos danos que decorrem da falha na prestação de serviço, não sendo possível alegar caso fortuito para se eximir de qualquer responsabilidade
Por Talita Veloso Dias e Daniel Cerveira
A ocorrência de eventos climáticos extremos tem se tornado cada vez mais comum, e tem causado recorrentes interrupções no fornecimento de energia elétrica. No dia 11/10/2024 diversas regiões da Capital do Estado de São Paulo, entre outros locais, foram severamente atingidas e, com isso, muitos lojistas sofreram e sofrem prejuízos materiais e extrapatrimoniais.
Foram incontáveis os prejuízos aos lojistas atingidos pela interrupção do fornecimento de energia elétrica, como danos em equipamentos, interrupção na produção, e perda de alimentos e outros produtos que demandam refrigeração. Diversos empresários do varejo sofreram até mesmo a perda de credibilidade perante os clientes por não conseguir prestar os serviços ou entregar os produtos a que se comprometeram, tendo que paralisar suas atividades e deixado de auferir lucro no período em que estavam sem energia elétrica.
Assim, é necessário analisar a responsabilidade das concessionárias de energia elétrica por falhas decorrentes de eventos da natureza, bem como qual medida judicial é cabível para indenizar, ao menos em parte, os prejuízos sofridos.
É incontestável que a relação entre a concessionária de energia e o consumidor é regulamentada pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) que dispõe sobre o direito dos consumidores, especialmente a indenização e ressarcimento de danos quando houver a falha na prestação de serviços, conforme o artigo 22 daquela norma.
Aliado ao dispositivo de lei supramencionado, temos a Resolução 1.000/21 da Aneel, que regula a Prestação do Serviço Público de Distribuição de Energia Elétrica. A referida resolução determina que a distribuidora deve restabelecer o fornecimento de energia em até 4 (quatro) horas, sem qualquer ônus ao consumidor. Deverá, inclusive, ser creditada ao consumidor a compensação pelo período com indisponibilidade do serviço, como dispõe o §1º, II, do artigo 362 da referida norma.
Tem-se, portanto, que responsabilidade da concessionária é objetiva, obrigando-a responder pelos danos que decorrem da falha na prestação de serviço, não sendo possível alegar caso fortuito para se eximir de qualquer responsabilidade.
Assim, ao sofrer prejuízo de ordem material, o consumidor deverá procurar imediatamente a concessionária prestadora e registrar a sua reclamação, anotando os números de protocolo, e identificando e demonstrando os danos sofridos, por meio de fotos, vídeos, documentos e notas fiscais.
E os Tribunais Brasileiros têm sido favoráveis à condenação das concessionárias, quando comprovados os prejuízos consequentes da falta de energia elétrica, condenando-as inclusive ao pagamento de danos morais, danos emergentes, e lucros cessantes, desde que comprovados pormenorizadamente, e desde que sejam diretamente decorrentes da demora no reestabelecimento da energia elétrica. Vejamos:
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS, MORAIS E LUCROS CESSANTES. Interrupção no fornecimento de energia elétrica em estabelecimento comercial (comércio varejista de carnes). Alegação de força maior, em razão de forte chuva. Inocorrência. Fortuito interno. Precedentes. Ademais, demora injustificada no reestabelecimento do serviço. Dano material comprovado. Queima de equipamentos e perecimento dos alimentos que seriam comercializados. Lucros cessantes. Documentos insuficientes. Ausência de comprovação. Ônus que competia à autora. Dano moral configurado. Estabelecimento que permaneceu por três dias sem energia elétrica e sem poder desenvolver suas atividades. Quantum já bem arbitrado em primeiro grau e que não comporta alteração. Sentença mantida. Recursos desprovidos.
Ao contrário do que suscita a concessionária de energia elétrica, a ocorrência de fortes chuvas não pode ser considerado caso fortuito ou força maior, de modo a proteger a ré, porque tais eventos estão dentro do risco da atividade exercida, constituindo, portanto, fortuito interno.
(TJ-SP – AC: 10213419320228260002 São Paulo, Relator: Milton Carvalho, Data de Julgamento: 07/11/2023, 36ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 07/11/2023)
Tem-se, portanto, que os Tribunais de Justiça vêm proferindo decisões que protegem o direito dos lojistas e consumidores, responsabilizando de forma objetiva as concessionárias a repararem os danos, sejam de ordem moral ou de ordem material.
Ressalta-se a necessidade de cada caso ser analisado de forma individual para que se adote a medida judicial mais adequada.
Daniel Cerveira, sócio do escritório Cerveira, Bloch, Goettems, Hansen & Longo Advogados Associados. Autor dos livros “Shopping Centers – Limites na liberdade de contratar” e “Franchising”. Consultor Jurídico do Sindilojas-SP. Colunista do site “Central do Varejo” e do Portal “Sua Franquia”. Integrante da Comissão de Expansão e Pontos Comerciais da ABF – Associação Brasileira de Franchising. Pós-Graduado em Direito Econômico pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV/SP) e em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Talita Veloso Dias, advogada coordenadora do escritório Cerveira, Bloch, Goettems, Hansen & Longo Advogados Associados. Pós-graduada em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Fonte: Estadão – Blog Fausto Macedo, 26 de outubro de 2024