Por Daniel Ferreira Martins*
Atualmente, a internet assola todos os ramos do comércio e dos indivíduos da sociedade. Deste modo, diante do avanço tecnológico, a tendência é que a internet se expanda ainda mais, abrangendo as pessoas tanto nos direitos individuais quanto os coletivos.
Neste contexto, a utilização de ferramentas como Airbnb, Booking, entre outras plataformas virtuais de locação, vem ganhando cada vez mais força no mercado e, consequentemente, no ordenamento jurídico brasileiro que está em vigor, principalmente, quando levamos em consideração o atual cenário econômico do país.
Assim, a utilização das plataformas e aplicativos tem gerado ações judiciais, especificamente pelos condomínios que entendem que a locação das unidades autônomas, estariam atuando como meio de hospedagem de natureza comercial e que a entrada desses novos locatários gera insegurança aos outros moradores do condomínio.
A questão é: Será que a locação de um quarto em um imóvel não fere o princípio da propriedade prevista da Constituição Federal? Será que o proprietário do imóvel não pode dispor dos cômodos de seu imóvel como bem entender, desde que obedecendo as regras gerais do condomínio e a Lei?
Esse tipo de procedimento está sendo muito discutido, principalmente pela jurisprudência nas ações ajuizadas pelos condomínios em face dos proprietários de apartamento que locam um cômodo por um período curto de tempo, o que chamamos de locação por temporada.
A Lei Federal n°. 8.245/91 (Lei do Inquilinato), em seu artigo 48, considera a locação para temporada aquela destinada à residência temporária do locatário, para prática de lazer, realização de cursos e outros fatos que decorram tão somente de determinado tempo, contratada por prazo não superior a 90 dias, estando ou não mobiliado o imóvel.
Os defensores dessa prática de locação temporária entendem que a proibição fere diretamente o direito de propriedade previsto na Constituição Federal (Artigo 5°, XXII) e os direitos do proprietário (artigo 1228 do Código Civil). Já, por outro lado, estão os condomínios que entendem que este tipo de locação caracteriza serviços de hotelaria, possuindo fins lucrativos e, portanto voltados para a atividade comercial.
Para a caracterização de serviços de hotelaria, seria necessário que o hóspede se alojasse num ambiente arquitetado que exige a concorrência de diversos serviços essenciais e indispensáveis à locação, cuja ausência geraria certo desconforto e insatisfação, o que não é o caso das locações temporárias, que o locador visa somente à cessão de um espaço por tempo inferior a 90 dias, que pode ou não ser cominada com serviços acessórios.
Entendendo de maneira clara a controvérsia estabelecida, está previsto no artigo 1351 do Código Civil que caso o condomínio queira proibir o uso da locação temporária, deve ao menos ser estabelecida uma Assembleia Geral Ordinária com quórum mínimo de 2/3 dos moradores para aprovação, sendo qualquer alteração, infringência ao quórum estabelecido ou estipulação em ata de assembleia ou registro interno, ser passível de anulação por meio de ação judicial.
Atualmente, no Recurso Especial n°. 1.819.075/RS, que se encontra em trâmite perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ) justamente para julgar esta questão da locação temporária, o Ministro Luis Felipe Salomão entendeu que a proibição do direito de dispor de sua propriedade fere a constituição federal, o que não é permitido. O recurso em questão está com julgamento suspenso e não tem previsão para a retomada, no entanto, poderá influenciar todas as plataformas virtuais de locação.
Até o julgamento do STJ ser finalizado, cabe lembrar que as locações por temporada previstas no artigo 48 da Lei 8.245/91(Lei do Inquilinato) permitem a locação por prazo não superior a 90 dias, ou seja, as locações feitas via Airbnb e outras plataformas virtuais, se obedecidos todos os requisitos legais, não oferece óbice para a locação. Isso porque inexiste qualquer restrição legal ou convencional, sendo que o condomínio deve se abster de criar qualquer embaraço aos negócios jurídicos que os condôminos proprietários quiserem ao menos locar um cômodo de sua propriedade.
*Daniel Ferreira Martins é advogado integrante do escritório Cerveira, Bloch, Goettems, Hansen e Longo Advogados Associados, formado pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo e pós-graduado em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Escola Paulista de Direito (EPD).
Artigo publicado: Blog Fausto Macedo – Estadão, 19 de outubro de 2019