“Sendo obrigação de meio, ou, sendo obrigação de resultado, o médico deve, em toda e qualquer hipótese, levar a cabo todo o seu conhecimento, toda a sua experiência, com o único intuito de restabelecer a saúde e a integridade física e, em alguns casos, inclusive a integridade psicológica do paciente.”
Por Natalia Bacaro Coelho*
Vamos definir o que seja obrigação de meio e obrigação de resultado, para, então, verificarmos a aplicação de tais conceitos na responsabilidade do médico.
Obrigação de meio, de acordo com a definição trazida por Maria Helena Diniz, no 2° Volume de seu Curso de Direito Civil Brasileiro, “é aquela em que o devedor se obriga tão somente a usar de prudência e diligência normais na prestação de certo serviço para atingir um resultado, sem, contudo se vincular a obtê-lo”.
Entende-se, portanto, que a prestação da obrigação de meio não consiste em um resultado certo e determinado a ser obtido pelo devedor, mas, sim, apenas ao fato de o devedor utilizar-se de todos os meios que possui para conseguir, ao máximo, obter tal provimento pretendido pelo credor.
Havendo o inadimplemento da obrigação de meio, dever-se-á comprovar que a parte devedora de tal obrigação agiu do modo como o credor esperava, ou, se o devedor agiu com culpa, ou seja, o credor deverá demonstrar adequadamente, por exemplo, que o devedor não empregou todos os meios e todo o seu conhecimento para sanar o problema da vítima, que o devedor da obrigação não agiu com o zelo necessário em tal assunto, e daí por diante, melhor dizendo, que o devedor agiu com dolo ou com culpa e que foi justamente esse ato ilícito que impediu que o resultado, tido como objetivo, mas não como fim da obrigação, de ser alcançado.
Já no que se refere à obrigação de resultado, também nos valendo da definição dada por Maria Helena Diniz, no seu Curso, podemos definir tal instituto como “aquela em que o c redor tem o direito de exigir do devedor a produção de um resultado, sem o que se terá o inadimplemento da relação obrigacional. Tem em vista o resultado em si mesmo, de tal modo que a obrigação somente se considerará cumprida com a efetiva produção do resultado pretendido.”
Quando tratamos da possibilidade de descumprimento da obrigação de resultado, o devedor ficará constituído em mora a partir do momento que o resultado pretendido não foi obtido do modo corno convencionado anteriormente.
Nessa situação, inverte-se o ônus da prova, com isso, competirá ao devedor provar que o resultado pretendido e firmado no contrato celebrado entre ele e o autor não foi obtido por urna situação excludente de responsabilidade, como, por exemplo, a ocorrência de um caso fortuito, o surgimento de urna força maior que impediu o devedor de alcançar o resultado tratado no contrato firmado entre ele e o credor da obrigação.
Passadas essas considerações iniciais, verificaremos em qual das hipóteses tratadas acima se encaixa a obrigação do médico e/ou do profissional de saúde.
De acordo com Miguel Kfouri Neto, na sua obra Responsabilidade Civil do Médico, ele nos ensina que “a regra geral dita que o médico não pode obrigar•se, no desempenho de sua atividade profissional, a obter resultado determinado acerca da cura do doente e assumir o compromisso de reabilitar sua saúde.”
Tal regra foi posta dessa forma por uma razão que nos parece simples.
O médico, por exemplo, um clínico geral, ou até mesmo um cirurgião geral, para que possam obter o resultado desejado pelo paciente e/ou pelos seus familiares, dependem da conjunção favorável de uma série de fatores, tais como o estado de saúde do paciente, as condições hospitalares, o próprio conhecimento do profissional, dentre outros pontos que são levados em conta.
Por conta disso, não há corno querer impor ao médico, ou ao profissional de saúde, a obrigação como sendo a de resultado. Todavia, dependendo da especialidade escolhida pelo profissional, a obrigação a que está vinculado é de resultado, e não de meio, como inicialmente afirmamos.
Não há como querer punir o profissional que empregou todo o seu conhecimento, toda a sua expertise, todos os recursos que o hospital tinha disponível para sanar a enfermidade que maltratava o paciente, e que, infelizmente, o mesmo acabou vindo a falecer.
Todavia, quando falamos, por exemplo, da obrigação relativa à função do cirurgião plástico eminentemente estético, nesse caso específico, ressalte-se, não se aplica a regra geral de que a obrigação do médico é de meio, mas sim de resultado.
Vejamos o porquê de tal diferenciação.
A cirurgia plástica estética é um procedimento médico que não tem por finalidade curar uma enfermidade, como quando ocorre até mesmo na cirurgia plástica reparadora, em que o cirurgião tentará restabelecer o membro ou parte do corpo que foi acometi do por uma doença, como, por exemplo, a cirurgia para reconstrução das mamas que foram extraídas, posto que a paciente descobriu que era portadora do câncer de mama.
A cirurgia plástica puramente estética visa apenas e tão somente eliminar as imperfeições físicas que, sem alterar a condição física da pessoa, tornaram-na feia, do ponto de vista estético.
Não trataremos dos efeitos psicológicos que as imperfeições físicas tenham cometido no paciente. Deixaremos tal ponto para que os verdadeiros estudiosos do ramo da Psicologia nos ensinem com mais propriedade as consequências e os efeitos de tal “imperfeição”.
Dessa maneira, como não se trata da busca pela cura de uma enfermidade física, ressalte-se a “enfermidade física”, não haveria que se falar na existência de uma obrigação de meio, mas sim de uma obrigação de resultado.
Além disso, deve-se ressaltar o fato de que a cirurgia estética, diferentemente da cirurgia para sanar enfermidades propriamente ditas, nunca é urgente.
Tal cirurgia sempre é realizada de acordo com as conveniências de médicos, equipe de demais profissionais envolvidos para a realização de tal cirurgia, e o próprio paciente e sua família, posto que precisarão seguir um rígido procedimento pós-operatório, se quiserem realmente usufruir da cirurgia plástica.
“E inquestionável. porém, que incorrerá em responsabilidade civil o médico que, conhecendo o desequilíbrio entre o muito que se arrisca e o pouco que se espera obter, executar urna intervenção desse tipo, ainda que conte com o consentimento do paciente, e mesmo levando em consideração o fato de que tal assentimento tenha sido manifestado após urna correta e completa informação” completa Miguel Kfouri Neto.
Podemos pensar, analisando o caso mais a fundo, que há uma possibilidade de que o cirurgião plástico estético não se responsabilize pelos eventuais danos causados ao paciente.
Como mencionado acima, no caso da obrigação de resultado, o profissional deverá provar que agiu de acordo com as normas previstas na Medicina e que foi por urna falha cometida pelo próprio paciente, no período pós-operatório, que por exemplo, não acolheu a recomendação para ficar em repouso absoluto, e, logo nos primeiros dias após a realização da cirurgia, voltou a praticar exercícios físicos de alto impacto.
Tal fato acabou impedindo que o resultado desejado inicialmente não fosse alcançado.
Por conta do quanto indicado acima que se deve levar em conta que as reações do organismo humano são imprevisíveis e algumas consequências não agradáveis ao paciente poderão surgir no decorrer de tal período.
Comprovando-se a excludente de responsabilidade do médico, como o caso de culpa exclusiva da vitima, de acordo com o exemplo mencionado acima, não há como se sustentar a responsabilidade do médico, mesmo sendo originada de uma obrigação de resultado.
Deve-se sempre levar em consideração o fato de que, sendo obrigação de meio, ou, sendo obrigação de resultado, o médico deve, em toda e qualquer hipótese, levar a cabo todo o seu conhecimento, toda a sua experiência, com o único intuito de restabelecer a saúde e a integridade física e, em alguns casos, a integridade psicológica do paciente.
O que também deve ser levado em conta é que o médico não pode, apenas por sua vontade, conseguir o restabelecimento da saúde do paciente.
O paciente também deve auxiliar o médico, seguindo todas as recomendações necessárias repassadas pelo profissional habilitado para tal função, para que o tempo de recuperação seja diminuído, e o restabelecimento da saúde e da integridade do paciente seja alcançado em um intervalo menor de tempo do que o previsto inicialmente.
Natalia Bacaro Coelho é pós-graduada em Direito de Família e Sucessões Aplicado pelo Centro Universitário da FMU e em Direito Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, advogada do escritório Cerveira, Bloch, Goettems, Hansen e Longo Advogados Associados.
Artigo publicado: Revista Prática Forense, 10 de dezembro de 2019