Por Daniel Alcântara Nastri Cerveira*
Observamos atualmente no Brasil o fenômeno conhecido como “uberização”, decorrente do avanço da tecnologia, do desenvolvimento da internet e das mudanças nos hábitos das pessoas. Ou seja, cada vez mais as empresas usam a tecnologia e a internet para conectar clientes, por meio de um intermediador ou “plataforma”. Em nosso país a grande oferta de pessoas dispostas a trabalhar como entregadores também favorece a ocorrência do referido fenômeno.
Por outro lado, a concorrência gerada por meio do ¬e-commerce apresenta uma dinâmica própria e, por isso, surgiram novos desafios a serem enfrentados pelos varejistas. A internet revolucionou o modo do consumidor pesquisar preços, bem como os algoritmos utilizados pelas plataformas de pesquisa e intermediação tornaram-se determinantes para o sucesso dos negócios, incluindo-se neste contexto os recursos da inteligência artificial. Por exemplo, hoje é comum o lojista perder uma venda on-line, caso o seu concorrente ofereça o mesmo produto por alguns centavos a menos. Este cenário é uma a realidade e cabe aos players do mercado se adequarem.
O ramo de alimentação foi uns dos mais afetados, depois da expansão geométrica das plataformas de serviços de entrega, com destaque para o “iFood”, “Rappi” e “Uber Eats”. Vale dizer que, dada a natureza e características do negócio de aplicativos de entrega tipo “winner takes it all”, formou-se um oligopólio no mercado, o que concede elevado poder econômico e, por consequência, de negociação em favor destas empresas digitais. Neste cenário, a mídia vem noticiando e ouvi relatos de clientes no sentido de que existem indícios de que estas companhias estão praticando condutas anticoncorrenciais, tais como, exigência de cláusulas de exclusividade com a finalidade de dominar o mercado e dumping.
Além do mais, um ponto a ser destacado é a ausência de transparência quanto aos critérios dos algoritmos que determinam o ranking dos restaurantes e em que posição aparecem na lista de estabelecimentos pesquisados. Ora, quando um lojista adere ao aplicativo, a sua expectativa é que exista uma isonomia na competição interna da plataforma. Outrossim, foram divulgadas reclamações que os aplicativos, unilateralmente, retiram os restaurantes do “ar”, quando o volume de pedidos ou disponibilidade de entregadores não estão compatíveis.
Outros empresários contam que, sem maiores explicações, verificam quedas abruptas nos pedidos de clientes, por coincidência, quando não concordam com determinadas “propostas” de negócio das plataformas, por exemplo, o produto do “iFood” chamado de “iFood Loop”. A assimetria de informações entre o varejista e a empresa de aplicativo é evidente.
Pelo exposto, os nossos legisladores devem ficar atentos para esta situação, bem como cabe aos órgãos competentes como CADE e PROCON tomar as medidas cabíveis. Ademais, os operadores de cozinhas também estão amparados pela nossa legislação, bem como podem acionar o Poder Judiciário e os demais órgãos competentes quando se sentirem lesados, como dispõe a Lei 12.529/2011 (Lei da Concorrência).
Merece ser ressaltado que a liberdade econômica e a livre iniciativa são essenciais para o desenvolvimento da economia e a geração de bem-estar para a sociedade. No entanto, a formação artificial de monopólios e condutas típicas de abuso de posição dominante devem ser combatidas, vez que extremamente nocivas para a economia como um todo.
*Daniel Alcântara Nastri Cerveira, sócio do escritório Cerveira, Bloch, Goettems, Hansen & Longo Advogados Associados. Professor dos cursos MBA em Varejo e MBA em Gestão de Franquias da FIA – Fundação de Instituto de Administração. Professor do Curso de Pós-Graduação em Direito Imobiliário pelo Instituto de Direito da PUC-RJ
Artigo publicado: Blog Fausto Macedo – Estadão, 18 de fevereiro de 2020