Dados sobre salários e outras verbas remuneratórias passarão a ser divulgados nas redes sociais
Laura Ignacio
Ao estabelecer os procedimentos para a fiscalização dos novos mecanismos de transparência salarial e critérios remuneratórios criados para a equiparação salarial entre homens e mulheres, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) prevê que as empresas divulgarão em suas páginas na internet, redes sociais ou similares um Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios. Especialistas chamam a atenção para o cuidado que as companhias devem ter para, ao mesmo tempo, cumprir a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) na publicação dessas informações.
Este ano, foi editada a lei que estabeleceu a obrigatoriedade de igualdade salarial entre mulheres e homens (Lei nº 14.611/2023). Recentemente, ela foi regulamentada pelo Decreto nº 11.795. Agora, a Portaria nº 3.714 do MTE orienta a fiscalização. As novas regras deverão ser adotadas por empresas com cem ou mais empregados que tenham sede, filial ou representação no Brasil.
A portaria estabelece que o Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios deverá ser disponibilizado para os empregados, colaboradores e público em geral. Esse relatório contemplará: cargo, salário contratual, 13° salário, gratificações, comissões, horas extras, adicionais noturnos, de insalubridade, de penosidade, de periculosidade, 1/3 de férias, aviso prévio trabalhado, descanso semanal remunerado e até gorjetas.
Contudo, de acordo com a nova norma, todos esses dados deverão ter caráter anônimo e enviados por meio de ferramenta digital do Ministério do Trabalho e Emprego.
O objetivo principal da nova legislação é reduzir a disparidade salarial e de critérios remuneratórios entre homens e mulheres. Contudo, alertam especialistas, é crucial assegurar que as regulamentações propostas estejam totalmente alinhadas com as diretrizes da LGPD para evitar possíveis riscos e conflitos legais.
Advogados destacam a importância da divulgação ser anônima, sem relacionar dados salariais com os indivíduos. Para Carolina Giovanini, advogada especialista em direito digital, privacidade e proteção de dados do escritório Prado Vidigal Advogados, a transparência salarial não deve ser alcançada às custas da privacidade de colaboradores. “Ao adotar uma abordagem responsável do ponto de vista de privacidade, o Ministério do Trabalho e Emprego reforça o compromisso não apenas com a equidade salarial, mas também com o direito à proteção de dados”, elogia.
O advogado Matheus Puppe, sócio da área de privacidade e proteção de dados do Maneira Advogados, destaca que, com a Portaria 3.714, o MTE estabelece um passo crucial para a fiscalização e a promoção de práticas equitativas no ambiente de trabalho, sem comprometer a privacidade dos dados dos colaboradores. “Ao considerarmos a fiscalização do MTE e a necessidade de um Plano de Ação para as empresas que apresentem discrepâncias salariais, as medidas impostas são proativas e essenciais”.
“Dependendo do contexto, porém, a simples omissão do nome do empregado pode não garantir uma anonimização eficaz da informação”, aponta Antonielle Freitas, DPO (Data Protection Officer) do escritório Viseu Advogados. Para ela, ao analisar as informações publicadas, como cargo, salário, gorjetas e adicionais, existe a possibilidade potencial de identificação. “Assim, podemos estar diante de uma “pseudoanonimização” e, diante desse cenário, torna-se imprescindível esclarecer e aprimorar as normas estabelecidas para garantir a efetiva proteção dos dados pessoais, aderindo aos princípios da LGPD e minimizando os riscos associados à identificação inadequada de indivíduos”, afirma.
Também para Guilherme Braguim, sócio da área de privacidade e proteção de dados do escritório P&B Compliance, há preocupações em relação à proteção de dados. “Apesar da lei e de seu decreto regulamentador estipularem que os dados dos colaboradores não farão conexão direta com uma pessoa identificável, fato é que, em determinados cenários, será possível identificar, com relativa facilidade, pessoas dentro de pequenos grupos como, por exemplo, diretores homens ou gerentes femininas de determinada empresa, o que poderá caminhar na contramão do espírito da proteção da privacidade”, diz.
Para Braguim, é preciso que esses impactos também sejam vislumbrados e formas de divulgação dos dados desses indivíduos deverão ser estudadas para garantir que não haja risco de violação ao direito à privacidade.
Para Carolina Giovanini, se embora anonimizados os dados identificarem uma pessoa, o empregador está amparado em uma justificativa legal, “motivo pelo qual entendo que eventual indenização somente seria concedida em caso de uso ilícito ou indevido de tais informações”.
Já para Matheus Puppe, caso o usuário seja identificado, o titular dos dados poderá pedir indenização e a empresa ainda estará sujeita às sanções da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). O advogado defende também que quem se sentir exposto à risco, em razão da divulgação desse relatório, poderá pedir a correção, remoção ou alteração dos dados.
Fonte: Jornal Valor Econômico, 9 de dezembro de 2023