A distorção gerada por alguns locadores no reajuste dos locativos

No Brasil, índices de preços como o IPCA-IBGE e os IGPs medem variações de preços no varejo e atacado.

Daniel Alcântara Nastri Cerveira

A variação de preços no Brasil é medida por meio de alguns índices específicos, com as suas próprias metodologias. Por exemplo, existe o IPCA-IBGE, declarado o índice oficial da inflação e que opera somente no varejo. Em agosto de 2023 este indexador acumulou alta de 4,61% e agora em 2024 atingiu 4,50%.

De outro lado, há os IGPs, publicados pela FGV, índices estes que apuram a alteração do poder de compra da moeda no atacado, no varejo e na construção civil, nas proporções de 60%, 30% e 10%, respectivamente. Em vista de sua configuração, os IGP’s são notoriamente mais voláteis, bem como sofrem grande impacto por força do câmbio e preços das commodities. Destaca-se aqui o IGP-M, o qual variou -7,20% no acumulado de agosto/2023 e +4,26% em agosto/2024. O IGP-M e o IGP-DI são, tradicionalmente, os indexadores mais utilizados para fins de reajuste dos aluguéis estabelecidos nos contratos de locação.

Considerando que não existe legislação regulando o tema e, tampouco, jurisprudência sobre o assunto, são comuns as divergências entre locadores e locatários, no que tange a aplicação do reajuste quando o indexador variar negativamente, fenômeno chamado de “deflação”.

Com efeito, são comuns os contratos de locação, por meio de cláusulas específicas, determinarem que somente as variações positivas da inflação devem ser aplicadas. Independentemente da validade ou não destas cláusulas, as quais são questionáveis à luz dos argumentos abaixo, admitindo-se, por hipótese, que o locativo deve ser mantido inalterado nas situações de inflação negativa, cumpre esclarecer que, sob pena de desvirtuar o valor locativo, no próximo mês base de reajuste, se apurada inflação no interregno, o aluguel deverá ser reajustado computando-se os 2 períodos, ou seja, os 12 meses da deflação e os 12 meses posteriores em que se verificou a inflação (isto se a variação da inflação for superior que a variação da deflação verificada no intervalo anterior). Ou seja, caso um contrato tenha aniversário todo mês de agosto e conste a referida cláusula que proíbe a redução do aluguel, agora em 2024 o certo é manter o locativo inalterado, vez que ainda se verifica uma deflação no período de 24 meses equivalente à 2,94%. Assim, nesse exemplo, o aluguel somente será majorado em agosto de 2025 e se a inflação for superior à 2,94%.

A questão é que alguns locadores de imóveis de rua e de espaços localizados em shopping centers simplesmente ignoram os 12 meses que se apurou a deflação e agora em 2024 querem só considerar a variação de preços positiva do último período. No exemplo de agosto de 2024, pretendem neste momento aumentar o locativo em 4,26%, sem contar a deflação de 2023.

Ademais, da mesma forma, não pode o locador no cálculo do acumulado nos 12 meses anular os meses de deflação e somente aplicar os meses em que a variação foi positiva. Neste caso, a distorção é ainda maior.

A variação acima destacada do IGP-M pode parecer insignificante para uma locação residencial ou não residencial corriqueira, porém, para as locações industriais ou ligadas ao varejo (redes varejistas, shopping centers etc.), a incidência ou não da deflação nos locativos gera um impacto em valores absolutos representativo.

Partindo-se da ideia de que o reajuste anual do aluguel tem como função corrigir o poder de compra da moeda, por meio de um índice eleito entre partes, eventual desconsideração, total ou parcial, das variações negativas, acarretará em distorções, no sentido de que, ao final, o valor do locativo não representará a real valorização ou desvalorização da moeda no período, o que, em última análise, ocasionará em enriquecimento ilícito em favor do locador. Nesta linha, existindo previsão contratual acerca do reajuste do aluguel, uma vez que não existe obrigação legal para tanto, não há dúvida de que deve ser reduzido o seu valor, quando o índice inflacionário for negativo.

Vale ressaltar que, conforme estudos realizados, inclusive pela FGV, os IPCs são os indexadores mais indicados para reajustar os aluguéis oriundos de contratos de locação de imóveis destinados ao varejo, na medida em que as suas variações acompanham os preços dos produtos e serviços destinados ao consumidor final, ao contrário do que acontece com os IGPs e outros.

Em vista da volatilidade de nossa economia e da diferença entre os índices inflacionários publicados no país, uma solução contratual possível de ser adotada entre os inquilinos e senhorios é estabelecer o reajuste do aluguel com base na média entre o IGP-M/FV e IPCA-IBGE, por exemplo.

Por fim, do ponto de vista dos lojistas, é fundamental negociarem seus contratos de locação nos termos aqui abordados, bem como ficarem atentos no sentido de exigirem que seus locativos sejam reajustados corretamente.

Daniel Alcântara Nastri Cerveira, sócio do escritório Cerveira, Bloch, Goettems, Hansen & Longo Advogados Associados.

Artigo publicado: Migalhas, 18 de setembro de 2024

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