A decisão foi dada pela 13ª Vara Federal de Porto Alegre e beneficia a Solo-Promotora, que atua com empréstimos consignados
Adriana Aguiar
Empresas excluídas ou que não se enquadrariam exatamente nos requisitos previstos no Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) têm garantido na Justiça o direito ao parcelamento facilitado de dívidas tributárias e com o FGTS. O Perse prevê o pagamento com desconto de até 70% e em 145 meses.
O programa foi criado pela Lei nº 14.148, de 2021, para tentar recuperar os setores de eventos e turismo, prejudicados pela pandemia da covid-19. Além do parcelamento, prevê alíquota zero de Imposto de Renda (IRPJ), CSLL, PIS e Cofins pelo prazo de cinco anos.
O Perse está aberto desde julho de 2021. As adesões vão até dia 31 de outubro deste ano. Até julho, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) já firmou 18.033 mil acordos de transação, que envolveram 104.639 mil inscrições na dívida ativa da União com valor consolidado de R$ 28,6 bilhões.
Uma das decisões foi dada pela 13ª Vara Federal de Porto Alegre e beneficia a Solo-Promotora, que atua com empréstimos consignados. Ela foi excluída do parcelamento após pagamento de oito parcelas. Tinha uma dívida de cerca de R$ 30 milhões e obteve um desconto de cerca de R$ 14 milhões (processo nº 5039274-05.2022.4.04.7100).
De acordo com a Receita, a empresa teria descumprido regras do parcelamento e cometido fraude ao não revelar a existência de execução fiscal em andamento contra outra companhia do grupo econômico. A Solo-Promotora tentou discutir administrativamente a sua exclusão, mas diante da negativa, resolveu ir à Justiça.
O advogado que assessora a empresa, Eduardo Bitello, sócio da Marpa Gestão Tributária (MGT), destaca, porém, que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional já tinha conhecimento sobre esse processo. “A carta para participar do programa [recebida da PGFN) foi posterior. O Fisco já tinha conhecimento deste fato”, diz
Ao analisar as provas, o juiz federal Ricardo Nüske concluiu ser “inegável que os fatos posteriormente imputados como fraude para rescisão do acordo já eram de conhecimento da autoridade fazendária quando do oferecimento e adesão da transação”.
Para ele, é inegável que a proposta de adesão, aliada à concretização da transação e ao cumprimento das obrigações financeiras assumidas, “gerou ao contribuinte a legítima expectativa de preenchimento dos requisitos legais e viabilidade de manutenção do avençado, inclusive considerando os princípios da segurança jurídica e da boa-fé.”
Ele acrescenta que não haveria prejuízo ao erário com a manutenção da transação, uma vez que uma eventual decisão de mérito em sentido contrário permitirá à União executar o débito, ainda mais considerando a medida cautelar de bens. “De outro lado, a impetrante permanecerá amortizando mensalmente o montante devido.”
Segundo Eduardo Bitello, a liminar pode ser importante como precedente para outros contribuintes que podem vir a ser excluídos. “Conseguimos explicar para o juiz que não há indícios de fraude ou esvaziamento do patrimônio que justifiquem a exclusão e que isso poderia inviabilizar as atividades da empresa”, diz.
O advogado Guilherme Henriques, do Henriques Advogados, considera que a decisão reflete bem o ambiente de desconfiança no qual se relacionam Fisco e contribuintes. “Não é raro encontrar situações em que a lei oferece ao contribuinte oportunidades para regularizar sua situação fiscal, como no caso do Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT), instituído pela Lei nº 13.254/16, e, após a celebração do acordo, as regras do jogo sejam alteradas pelos órgãos fazendários.”
Em outro caso, a juíza Jamille Morais Silva Ferraretto, da 8ª Vara Federal de Campinas (SP), garantiu a uma empresa a inclusão de débitos de um processo administrativo ainda não inscrito na dívida ativa. Ela entendeu, na decisão, que a limitação imposta no artigo 2º da Portaria PGFN nº 11.496, de 2021, de que só poderiam ser beneficiados os contribuintes inscritos em dívida ativa da União e do FGTS até dia 29 de abril de 2022, extrapola o que diz a Lei do Perse.
Para a magistrada, trata-se de “hipótese limitadora ou restritiva criada pela Portaria PGFN nº 11.496/2021, que macula o alcance do contribuinte a direito previsto em lei”, o que, segundo sua decisão, “não pode ser admitido e, portanto, deve ser refutada por afronta ao princípio da legalidade” (processo nº 5007670-31.2022.4.03.6105).
O advogado Leo Lopes, sócio do FAS Advogados, afirma que a posição do Judiciário está correta já que, por portaria, uma norma infralegal, a União Federal acabou limitando aquele direito que estava previsto na lei que instituiu o Perse. “Não havendo respaldo dessa portaria na lei, naturalmente isso é um ato administrativo que extrapola”, diz. O Judiciário, acrescenta, costuma dar decisões semelhantes em outras situações nas quais portarias avançam em relação ao que diz a lei.
Fonte: Valor Econômico, 9 de agosto de 2022