Daniel Cerveira*
Conforme a pandemia da Covid-19 se agrava, muitos lojistas e comerciantes do país estão passando por um agrave crise financeira e precisam urgente de medidas para garantir a sobrevivência de seus negócios. É importante que os inquilinos de pontos comerciais efetuem negociações junto aos seus locadores, no que diz respeito à suspensão ou isenção de aluguéis e encargos referentes ao período em que a crise sanitária resultou na interrupção ou na queda das vendas por conta de restrições no uso do imóvel.
Os lojistas e comerciantes vivem uma situação inédita. Por conta disso, inexistem precedentes judiciais capazes de nortear as suas decisões e a dos aplicadores do Direito. Hoje, temos decisões liminares de primeiro e segundo graus determinando a redução provisória do aluguel e de encargos e afastando o Índice Geral de Preços (IGP) como índice de reajuste dos aluguéis, bem como outras negando tais pleitos.
Do ponto de vista jurídico, o Código Civil Brasileiro traz dispositivos que admitem a revisão judicial dos contratos ou as suas rescisões sem ônus, independentemente de sua natureza, quando ocorrer um fato imprevisível, extraordinário e superveniente que desequilibre a relação entre os inquilinos e locadores, às luz dos artigos 317, 478 e seguintes. Trata-se de um momento em que a “prestação” se tornou excessivamente onerosa para uma das partes e gerou extrema vantagem para a outra.
Já o Código Civil prevê a hipótese de caso fortuito e força maior como excludentes de responsabilidade (artigo 393), bem como traz o artigo 567, que trata da redução do aluguel quando o bem locado sofre deterioração. Assim, a partir do momento em que a Covid-19 acarretou a diminuição drástica do faturamento das lojas, é plausível defender que os contratos de locação dos respectivos pontos comercias merecem ser ajustados temporariamente até que seja observada a retomada do nível de faturamento pré-crise, de modo que também possam ser rescindidos sem qualquer penalidade.
Outra dúvida que surge é se, além do alugueis, as chamadas “luvas” merecem ser revistos? Uma vez que configuram como prestações remuneratórias dos locadores. Os encargos também precisam ser adaptados no período? Este tema é relevante para o segmento de shopping centers, considerando que a estruturação do custo de ocupação destas locações envolvem, além do aluguel mínimo, percentual em dobro em dezembro, a cobrança das verbas condominiais, do fundo de promoção e de despesas específicas como água, energia e IPTU, entre outros encargos.
Ora, a situação que estamos vivendo é excepcional e, portanto, obriga que as partes se adequem para o presente momento, sob pena de incorrer em omissão. No universo dos centros comerciais e em outros negócios análogos, a medida apropriada a ser tomada é diminuir os custos de ocupação para o menor patamar possível, de modo que somente sejam geradas as despesas essenciais para o resguardo dos empreendimentos e dos bens dos lojistas lá armazenados.
É difícil vislumbrar, no atual cenário, boas chances de êxito em questionar os encargos cobrados em tempos de pandemia por meio da ação de revisão de contrato abaixo pormenorizada, em vista da natureza destas verbas. Por outro lado, é interessante pleitear a aplicação de descontos concedidos aos lojistas adimplentes do respectivo centro de compras, além da não incidência dos encargos moratórios nas hipóteses de inadimplência temporária do locatário, como o afastamento da multa e de juros. Cumpre esclarecer que todos os inquilinos têm o direito de exigir a devida prestação de contas junto aos seus locadores de todas as despesas locatícias exigidas.
Por fim, também é fundamental administrar o reajuste do locativo frente à elevadíssima alta do IGP. A grande maioria dos contratos de locação, especialmente de espaços localizados em shoppings centers, é realizada através da aplicação do índice, o qual está em torno de 30% elevado nos últimos 12 meses. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), por sua vez, trata-se do índice oficial de inflação do Brasil e está em 5,2% acumulado nos últimos 12 meses. Ou seja, o IGP está cerca de seis vezes mais elevado.
É notório que este patamar de 30% é uma distorção e não representa a inflação do Brasil. A desvalorização do real e a elevação dos preços das commodities afetam o IGP. Uma saída é defender em ações a aplicação do IPCA para indexar os aluguéis dos estabelecimentos comerciais.
O agravamento da pandemia faz com que seja urgente a criação de uma política nacional de auxílio aos lojistas e comerciantes. Em meio a tempos difíceis e na ausência desta política, resta ao Poder Judiciário garantir a sobrevivência dos negócios.
*Daniel Cerveira, sócio do escritório Cerveira, Bloch, Goettems, Hansen & Longo Associados Advogados Associados, consultor jurídico do Sindilojas-SP, autor do livro Shopping Centers – Limites na liberdade de contratar (Editora Saraiva), professor dos cursos MBA em Varejo e Gestão de Franquias da FIA – Fundação de Instituto de Administração e da pós-graduação em Direito Imobiliário do Instituto de Direito da PUC/RJ e pós-graduado em Direito Econômico pela Fundação Getúlio Vargas São Paulo
Artigo publicado: Lex Prime, 22 de abril de 2021