Entre os pontos abordados estão reembolso de despesas, infraestrutura, informação sobre desempenho, ergonomia, pausa para descanso, ajuste de escala para as necessidades familiares e controle de jornada.
Marta Cavallini
O Ministério Público do Trabalho (MPT) divulgou uma nota técnica com 17 recomendações para o teletrabalho, trabalho em home office, para empresas, sindicatos e órgãos da administração pública alegando que o objetivo é garantir a proteção dos trabalhadores.
Entre os pontos abordados pelo MPT estão a preservação da privacidade, reembolso de despesas, infraestrutura para o trabalho remoto, informação sobre desempenho, ergonomia, pausa para descanso, ajuste de escala para as necessidades familiares e controle de jornada (veja todas as 17 recomendações abaixo).
Segundo advogado ouvido pelo G1, no entanto, as recomendações do MPT não têm força de lei. De acordo com Peterson Vilela, advogado trabalhista do L.O. Baptista Advogados, qualquer legislação sobre o assunto, além do já previsto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), deve ser criada pelo Congresso Nacional.
Veja as 17 recomendações do MPT:
1. Ética digital: respeitar a ética digital no relacionamento com os trabalhadores, preservando a sua intimidade, privacidade e segurança pessoal e familiar, bem como em relação à obtenção, armazenamento e compartilhamento de dados fornecidos pelos empregados.
2. Contrato de trabalho: regular a prestação de serviços em regime de teletrabalho, por meio de contrato de trabalho, com a duração do contrato, a responsabilidade e a infraestrutura para o trabalho remoto, bem como o reembolso de despesas. É destacada ainda a necessidade de condições de qualidade de vida, segurança e de saúde do trabalhador, de adaptação e treinamento para o teletrabalho para qualificação e motivação e de ser informado periodicamente sobre o resultado do seu trabalho e atividades a desempenhar.
3. Ergonomia: observar os parâmetros da ergonomia, quanto às condições físicas ou cognitivas de trabalho (por exemplo, mobiliário e equipamentos de trabalho, postura física, conexão à rede, design das plataformas de trabalho online), quanto à organização do trabalho (conteúdo das tarefas, exigências de tempo, ritmo da atividade) e quanto às relações interpessoais no ambiente de trabalho (formatação das reuniões, transmissão das tarefas a serem executadas, feedback dos trabalhos executados).
4. Intervalos: garantir ao trabalhador em teletrabalho (em especial no telemarketing) capacitação e adaptação para introdução de novos métodos ou dispositivos tecnológicos; pausas e intervalos para descanso, repouso e alimentação para impedir sobrecarga psíquica e muscular; adequação da equipe às demandas da produção, de forma a impedir sobrecarga habitual ao trabalhador.
5. Apoio e capacitação: oferecer apoio tecnológico, orientação técnica e capacitação a trabalhadores para realização dos trabalhos de forma remota e em plataformas virtuais.
6. Prevenção de doenças: instruir os empregados, de maneira expressa, clara e objetiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças, físicas e mentais e acidentes de trabalho, bem como adotar medidas de segurança como intervalos e exercícios laborais.
7. Escala flexível: adequar a jornada às necessidades de trabalhadores com suas responsabilidades familiares (pessoas dependentes sob seus cuidados), de modo que a elaboração das escalas acomode as necessidades da vida familiar, especialmente nutrizes, incluindo flexibilidade especial para trocas de horário e utilização das pausas.
8. Etiqueta digital: adotar modelos de etiqueta digital em que se oriente toda a equipe, com especificação de horários para atendimento virtual da demanda, assegurando os repousos legais e o direito à desconexão, bem como medidas que evitem a intimidação sistemática (bullying) no ambiente de trabalho, seja verbal, moral, sexual, social, psicológica, física, material e virtual, que podem se caracterizar por insultos pessoais, comentários sistemáticos e apelidos pejorativos, ameaças, expressões preconceituosas ou memes.
9. Privacidade: garantir o respeito ao direito de imagem e à privacidade, por meio da realização do serviço de forma menos invasiva a esses direitos fundamentais, oferecendo a prestação de serviços preferencialmente por meio de plataformas informáticas privadas, avatares, imagens padronizadas ou por modelos de transmissão online.
10. Uso de imagem: assegurar que o uso de imagem e voz seja precedido de consentimento expresso de trabalhadores, principalmente quando se trata de produção de atividades difundidas em plataformas digitais abertas em que sejam utilizados dados pessoais (imagem, voz, nome) ou material produzido pelo profissional.
11. Pandemia: garantir a observação de prazo específicos e restritos ao período das medidas de contenção da pandemia para uso do material produzido pelos trabalhadores.
12. Liberdade de expressão: Garantir o exercício da liberdade de expressão, ressalvadas ofensas que caracterizem calúnia, injúria e difamação.
13. Autocuidado: Estabelecer política de autocuidado para identificação de potenciais sinais e sintomas de Covid-19, com garantia de posterior de isolamento e contato dos serviços de saúde na identificação de casos suspeitos.
14. Idosos: garantir que o teletrabalho seja oferecido ao idoso sempre de forma a favorecer a sua liberdade e direito ao exercício de atividade profissional, respeitadas suas condições físicas, intelectuais e psíquicas.
15. Pessoas com deficiência: assegurar que o teletrabalho favoreça as pessoas com deficiência na obtenção e conservação do emprego e progressão na carreira, com reintegração na sociedade, garantindo acessibilidade e adaptação.
16. Controle de jornada: adotar controle da jornada de trabalho para o uso de plataformas digitais privadas ou abertas na realização de atividade e capacitação.
17. Automação: estimular a criação de programas de profissionalização especializada para a mão de obra dispensada para o caso de a automação e a automatização das atividades resultar em eliminação ou substituição significativa da mão de obra.
Crescimento na pandemia
O home office, que antes da Covid-19 abrangia ainda poucas empresas no país e era implantado alguns dias da semana, acabou sendo a saída encontrada pelos empregadores durante a pandemia para manter as atividades e evitar o risco de contaminação dos trabalhadores. No entanto, o MPT vê a modalidade como um desafio, já que em muitas empresas o teletrabalho poderá passar de emergencial para permanente, o que reforça a necessidade de fiscalização.
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) do IBGE, entre 30 de agosto e 5 de setembro havia 8,3 milhões de pessoas trabalhando remotamente, o que representa 10% da população ocupada no período, de 82,3 milhões.
Entre os argumentos do MPT para elaborar essas recomendações está o fato de o artigo 6º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) já equiparar meios telemáticos e informatizados aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio. Ou seja, já não havia distinção entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador ou à distância.
Sem força de lei
Segundo o advogado Peterson Vilela, a nota técnica do MPT não precisa ser colocada em prática, uma vez que não há lei regulamentando o assunto.
Mas ele ressalta que as recomendações serão uma espécie de ‘roteiro’ utilizado pelo MPT para as denúncias envolvendo a modalidade de home office.
“Mas, se eventualmente houver situações comprovadas em que fiscalizações ocorreram baseadas exclusivamente na nota técnica, certamente haverá discussão na Justiça sobre a sua validade”, destaca.
Para Vilela, as fiscalizações não aumentarão exclusivamente por conta da nota técnica divulgada. “O volume das fiscalizações decorre do aumento das constatações feitas pelos fiscais do trabalho, que são levadas ao conhecimento do Ministério Público do Trabalho para instauração de procedimentos investigatórios visando apuração de diversos fatos, não necessariamente que versam somente sobre regime de trabalho home office”, comenta.
Entretanto, na opinião de Vilela, a nota técnica apresenta grande desestímulo às empresas que pretendem adotar esse regime de trabalho, mesmo após a pandemia da Covid 19.
“A própria CLT, através dos artigos que foram inseridos na reforma trabalhista de 2017, já proporciona uma flexibilização entre as partes para regulamentação do regime de trabalho home office. Isso porque essa modalidade de trabalho agrada os atores envolvidos, situação que restou mais do que comprovada agora na pandemia”, observa.
Por outro lado, segundo ele, eventuais excessos cometidos pelas partes poderão ser corrigidos através das regras já existentes na própria CLT.
Para o advogado, a reforma trabalhista, em vigor desde novembro de 2017, é suficiente para regulamentar a modalidade de home office. Além disso, outros artigos da própria CLT são analisados e aplicados em relação ao assunto.
“Isso não significa que eventuais ajustes no decorrer da relação não possam ser feitos entre as partes envolvidas, inclusive com a participação de sindicatos, respeitando-se, obviamente, a Constituição e demais leis trabalhistas. A intenção da reforma foi não engessar a relação, de forma que o trabalho acompanhe as novas tendências de trabalho”, opina.
Fonte: Portal G1, 5 de outubro de 2020