A discussão é relevante porque tem sido cada vez mais comum sócios concentrarem bens em holdings para gestão do patrimônio e planejamento sucessório
Por Adriana Aguiar
Sócios que transferiram a titularidade de imóveis em que residem para empresas conquistaram no Tribunal Superior do Trabalho (TST) importantes precedentes para tentar afastar a penhora sobre esses bens. O ministro Breno de Medeiros, em uma recente decisão, entendeu que eles detêm legitimidade para atuar nos processos. Em um outro caso, sem discutir esse ponto, a 7ª Turma derrubou o bloqueio sobre um imóvel por considerá-lo bem de família.
A discussão envolve a Lei nº 8.009, de 1990. O artigo 1º afirma que imóvel residencial próprio de casal ou de entidade familiar é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida. Contudo, nos casos em que o bem está registrado em nome de empresa ou holding, alguns juízes, principalmente trabalhistas, normalmente resistem para declarar a impenhorabilidade.
Um desses casos foi analisado recentemente pelo ministro Breno Medeiros, depois de primeira e segunda instâncias negarem o pedido de uma sócia. Ele reconheceu a legitimidade dela para discutir a penhora sobre imóvel que está em nome de uma empresa no Estado de São Paulo. O julgador destacou que o tema é novo na Corte e, por isso, o recurso foi aceito, com base no princípio da transcendência — filtro adotado pelo TST.
A discussão é relevante porque tem sido cada vez mais comum sócios concentrarem bens em holdings para gestão do patrimônio e planejamento sucessório, de acordo com o advogado que assessora a sócia no processo, Pedro Vieira, sócio do escritório Cerizze. No processo, ele apresentou precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ). “Na área trabalhista há uma resistência maior.”
O caso analisado pelo ministro Breno Medeiros reúne diversas ações judiciais contra um grupo econômico na área de transportes e empreendimentos agropecuários. A dívida com os trabalhadores gira em torno de R$ 20 milhões. Por meio da desconsideração da personalidade jurídica, localizou-se o imóvel onde mora a sócia, em São José dos Campos. O bem, no valor de R$ 6 milhões, está em nome de uma empresa de empreendimentos agropecuários.
No Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo, negaram o pedido da sócia. De acordo com a decisão, “se o bem não lhe pertence, não pode invocar a proteção legal relativa ao bem de família”. O entendimento teve como base o artigo 1º da Lei nº 8.009, de 1990, que trata, segundo os desembargadores, apenas de “imóvel próprio do casal ou da entidade familiar”.
No TST, o ministro Breno de Medeiros usou o mesmo dispositivo para dar razão à parte. Para ele, a norma visa proteger o direito à moradia. “Ainda que o imóvel seja de propriedade da pessoa jurídica, a lei protege a moradia e a dignidade de todos que nela habitam, não a simples propriedade, pelo que revela-se evidente o interesse da parte, não havendo falar em ausência de legitimidade”, diz em seu voto (AIRR-12551-05.2016.5.15.0003). A decisão foi publicada no dia 5.
A decisão é um bom precedente, segundo Pedro Vieira, por entender que a impenhorabilidade deve levar em consideração o direito à moradia. “Quando um imóvel está em nome de pessoa jurídica, só quem poderia pleitear essa impenhorabilidade é quem reside no imóvel”, diz.
O caso agora deve voltar para o TRT de São Paulo que deve analisar se o imóvel preenche os requisitos de bem de família para que seja impenhorável. Para isso, o advogado destaca que a 7ª Turma do TST reconheceu a impenhorabilidade de imóvel registrado em nome de uma empresa familiar no qual residiam seus sócios. No processo, a empresa apresentou o imóvel, registrado em seu nome, como garantia ao juízo. Em seguida, os proprietários opuseram embargos de terceiro alegando que se tratava de único bem de família.
A decisão da 7ª Turma reformou entendimento do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) do Paraná. Os desembargadores entenderam que o oferecimento configurou renúncia à impenhorabilidade. Além de manterem a constrição, consideraram a atitude dos sócios atentatória à dignidade da Justiça e aplicaram multa de 5% sobre o valor da condenação, à época calculada em R$ 886 mil.
No TST, o relator do caso, ministro Douglas Alencar Rodrigues, entendeu que a impenhorabilidade do imóvel residencial familiar está estabelecida no artigo 1º da Lei nº 8.009, de 1990, e que o artigo 6º da Constituição Federal inclui a moradia como direito fundamental, irrenunciável pela pessoa devedora. Ele destacou que o imóvel, apesar de estar registrado em nome de pessoa jurídica, era o local da residência dos sócios e que se trata de empresa familiar.
O relator manteve, porém, a multa aplicada pelo TRT. “O reconhecimento da impenhorabilidade não afasta a conclusão de que configura ato atentatório à dignidade da jurisdição a nomeação de bem que não pode ser alienado judicialmente”, conclui em seu voto (RR-678-15.2013.5.09.0024).
A decisão da 7ª Turma foi unânime e, com base nela, o advogado Pedro Vieira acredita que conseguirá agora a impenhorabilidade do imóvel onde reside a sócia e sua família.
Para a advogada Juliana Bracks Duarte, do Bracks Advogados Associados, a nova decisão é importante por, além de reconhecer a legitimidade da sócia, reforçar que deve prevalecer o direito à moradia. “Se a pessoa comprova que só tem aquele imóvel, ela não pode ficar na rua”, diz. No direito do trabalho, acrescenta, tende a prevalecer a primazia da realidade, uma vez que mesmo o imóvel estando em nome da empresa, é onde reside a família.
Juliana afirma que o assunto está muito em voga. Porém, ela tem adotado um outro caminho e prefere não discutir diretamente a legitimidade de sócio, que é réu, para buscar a impenhorabilidade de imóvel. Normalmente, ela entra com embargos de terceiros em nome de outros moradores para alegar que se trata de bem de família.
Fonte: Jornal Valor Econômico, 20 de fevereiro de 2020