Exigências cada vez maiores das imobiliárias por um fiador dão a inquilinos uma única opção viável para alugar um imóvel: o seguro fiança, que pode consumir mais de um aluguel por ano
Por Emily Canto Nunes
“Era seguro fiança ou nada”, diz Gustavo Cavinato, publicitário de 31 anos, há três morando de aluguel na rua Frei Caneca, no centro de São Paulo. Inquilino de um imóvel de um dormitório, ele descreve como foi difícil alugar um apartamento. Segundo ele, durante a negociação com a imobiliária, só duas opções de garantia lhe foram oferecidas: fiador ou seguro fiança.
Com família no Rio Grande do Sul, Cavinato primeiro optou pelo fiador, já que seu pai teria mais de um imóvel para dar como garantia. No entanto, foi logo dissuadido pela imobiliária, que informou, em nome do proprietário, que aquele imóvel só aceitava fiador da cidade de São Paulo.
A Lei do Inquilinato, de 1991, não dá detalhes sobre o perfil do fiador. Por medo de inadimplência e de ter que abrir um processo no Estado de origem do fiador, as imobiliárias e os proprietários costumam inventar essa e outras exigências.
Sem opção, Cavinato recorreu ao seguro fiança da Porto Seguro no valor aproximado de um aluguel e meio por ano. Nem seus investimentos, dinheiro que juntou para viver um ano em São Paulo sem ter que trabalhar – além do fato de já estar empregado –, convenceram a imobiliária de aceitar outra modalidade, como a caução.
Ao renovar o segundo ano do seguro fiança, Cavinato ofereceu pagar metade do prêmio (valor pago pelo seguro) para quem fosse seu fiador em São Paulo. Um ex-colega de trabalho se ofereceu.
Mas ao descobrir a extensa documentação exigida, o publicitário desistiu. “É muito constrangedor, só dá para pedir para padrinho de casamento e parente. E olhe lá”, lamenta. “É como jogar uma TV de LED pela janela todo ano”, diz, referindo-se ao valor do seguro fiança.
Com Fernando Almeida, comissário de bordo de 27 anos, do Rio de Janeiro, não foi diferente nem em São Paulo, nem em Brasília. No último contrato, sem fiador, ele preferiu fazer um título com a Porto Seguro, mas teve que desembolsar de uma só vez R$ 24 mil.
“Para quem vem de uma cidade diferente, sem família ou amigos, fica quase impossível alugar alguma coisa, pois o fiador precisa ter imóvel na cidade da locação. Preferimos investir esse dinheiro e reavê-lo no final do que investir em algo vazio, como o seguro fiança de um ano, que custava um valor absurdo”, contou ao iG.
As modalidades de garantia
Roseli Hernandes, diretora da Lello Imóveis, imobiliária da capital paulista que atende também no litoral e no interior do Estado, ressalta que fiador é hoje a única modalidade de garantia gratuita. E que, apesar da extensa documentação, é uma das mais praticadas em todo o Brasil.
Em geral, a fiança corresponde a 50% dos alugueis no Brasil por ano, enquanto depósito caução e seguro fiança se revezam no segundo e no terceiro lugar, variando de 20% a 30%, em média, segundo dados consultados pelo iG.
“Às vezes, os proprietários já tiveram problema e exigem uma garantia específica, como seguro fiança ou fiador. O dono tem o direito de selecionar as garantias em que ele mais confia”, explica. Na Lello Imóveis, a caução (depósito adiantado para garantir o cumprimento de um contrato) corresponde a cerca de 10% das locações, enquanto o seguro fiança é utilizado em 23% dos alugueis da empresa.
Sócio do escritório Cerveira Advogados, o advogado Daniel Cerveira explica que a caução, de dinheiro ou bens, não é tão interessante para o proprietário porque uma ação de despejo pode levar mais do que os três meses cobertos pelo valor. Além disso, quando o caso vai à justiça, o inquilino pode, uma vez a cada 24 meses, pagar o débito e continuar no imóvel.
As outras modalidades (título de capitalização, carta fiança bancária e a caução de bens móveis) são pouco praticadas em todo o Brasil. Segundo Roseli, da Lello, o título de capitalização afasta muitos locatários por exigir um investimento cerca de 10 vezes maior que o valor do aluguel, enquanto a carta fiança bancária depende muito da relação do inquilino com seu banco. Ambas são mais comuns em locação de imóveis comerciais.
Proprietários preferem o seguro fiança
Roseli ainda ressalta que, para a imobiliária, independe qual a modalidade de garantia escolhida pelo proprietário ou locatário. De acordo com a executiva, a empresa que intermedia o negócio não ganha com uma ou com outra.
“Consideramos a condição financeira do locatário e as exigências do proprietário para estabelecer a melhor garantia”. As imobiliárias não recebem comissionamento, diz Roseli. A comissão de qualquer seguro fiança ou título de capitalização é da corretora ou vai direto para a seguradora.
Segundo a diretora da Lello Imóveis, para o proprietário, o seguro fiança é uma modalidade muito interessante por ser um seguro como outro qualquer. Se houver algum problema, ele banca os custos.
Também para José Augusto Viana Neto, presidente do Creci-SP (Conselho Regional de Corretores de Imóveis), o seguro fiança é a melhor opção. “Considero uma das melhores garantias, porque a companhia paga o proprietário em caso de inadimplência e ela mesma entra com ação de despejo contra o locatário. Mas custa caro e o investimento não volta”.
Na opinião de Viana, as modalidades previstas na Lei do Inquilinato são muito restritivas e estão empurrando as pessoas para imóveis mais distantes, mais caros e que não exigem tantas garantias.
“Deveria ter algo como o programa Minha Casa, Minha Vida, em que a pessoa pudesse recorrer a um banco, mediante o pagamento de uma taxa, ou usar o lastro do Fundo de Garantia”, sugere. Segundo o dirigente, há proprietário que prefere não exigir garantia para poder despejar o inquilino por liminar.
O deputado pelo Psol do Rio de Janeiro, Jean Wyllys, trabalha em um projeto para alterar a Lei do Inquilinato. A ideia é dar ao locador o direito de escolher a caução em dinheiro em vez do fiador, e, se optar pelo seguro fiança, a garantia de que o locatário pode eleger a empresa que contratará. Além disso, o projeto estabelece normas para o depósito e manutenção da caução em dinheiro e da fiança locatícia.
Porto Seguro detém 93% do mercado de seguro fiança
Segundo a Superintendência de Seguros Privados (Susep), a Porto Seguro tem hoje 93,56% de participação no mercado de seguro fiança locatícia. A Mapfre, segunda colocada, tem apenas 1,55%. Significa que a Porto detém mais de 90% dos R$ 154.398.150 milhões arrecadados de janeiro a maio deste ano em prêmios.
Diante de uma sinistralidade, que vem caindo desde 2010, pode-se afirmar que o lucro da seguradora não é baixo. De janeiro a maio de 2014, o percentual de sinistros foi de 26,17% na modalidade.
Segundo o superintendente de Riscos Financeiros e Capitalização na Porto Seguros, Luiz Henrique, uma suposta alta arrecadação da seguradora não justificaria a diminuição no prêmio pago pelo inquilino, por tratar-se de uma atividade de alto risco.
Tanto no caso do seguro fiança quanto no da capitalização, é a Porto Seguro que arca com a inadimplência, e dependendo do seguro contratado, até com os danos ao imóvel.
Ciente da influência neste mercado e preocupada com a opinião dos inquilinos que contratam seus produtos, a seguradora passou, há algum tempo, a oferecer assistências extra, como nos seguros de carros.
Alguns auxílios ao locatário vêm em qualquer seguro fiança, enquanto outros são adicionados a uma anualidade média de R$ 70. O plano padrão, sem custos, inclui serviços como chaveiro e reparos hidráulicos. Já o plano total conta com caça-vazamentos, desentupimento, entre outros.
Luiz Henrique esclarece que a seguradora comissiona apenas os corretores, e não as imobiliárias, e é o proprietário quem decide o que a apólice vai cobrir – se só o aluguel ou todos os gastos do apartamento, inclusive danos.
O seguro pode contemplar todo o período do contrato, não exigindo a renovação anual. No entanto, essa também é uma escolha do dono do imóvel, e pode ser negociada com o próprio ou com a imobiliária.
Escolha nas mãos do locatário
A coordenadora institucional da Associação Proteste, Maria Inês Dolci, recomenda que o locatário procure se informar sobre cada modalidade antes de procurar um imóvel. Muitas dificuldades se devem à falta de conhecimento sobre este mercado, acredita.
“A garantia tem que ser uma opção do consumidor, mas não é o que acontece, porque muitas vezes ele não consegue suportar as exigências [das imobiliárias e proprietários]”, afirma a executiva.
Por isso, Maria Inês sugere que o locatário conheça suas condições financeiras e procure imobiliárias e imóveis que trabalhem com as modalidades de garantia que pode bancar. “É uma questão de mercado e sabemos que a dificuldade do locatário é enorme”, conclui.
Fonte: Portal IG, 23 de julho de 2014