Levantamento mostra que, em 2024, contribuintes venceram em 58% dos julgamentos envolvendo a nova Lei das Subvenções
Marcela Villar
O Judiciário tem sido mais favorável ao contribuinte em processos sobre a tributação de benefícios fiscais de ICMS. Levantamento do escritório Mattos Filho mostra que, entre janeiro e outubro de 2024, as empresas venceram a Fazenda Nacional em 58% dos 614 julgamentos de primeira e segunda instâncias envolvendo a nova Lei das Subvenções, a nº 14.789, de 2023. A norma alterou as regras e passou a prever a incidência de Imposto de Renda (IRPJ), CSLL, PIS e Cofins sobre todos tipos de incentivos fiscais concedidos pelos Estados e Distrito Federal desde 2024.
O tema é relevante para a União. Mas com as derrotas no Judiciário, a maioria envolvendo o crédito presumido de ICMS, a arrecadação, segundo tributaristas, deve ter ficado aquém das expectativas – que caíram ao longo do tempo. Inicialmente, ao propor a Medida Provisória (MP) nº 1.185, de 2023, que antecedeu a Lei das Subvenções, a previsão era de incremento de R$ 35,4 bilhões na receita anual. Depois, ao enviar um projeto de lei sobre o assunto ao Congresso Nacional, o governo reduziu o número para R$ 26,3 bilhões.
Em resposta a um pedido com base na Lei de Acesso a Informação (LAI), a Receita Federal informou ao Valor que não há como saber o total arrecadado só com a tributação das subvenções de ICMS. Cita, porém, nota técnica do Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros (Cetad), que estima perdas, para a União, de cerca de R$ 80 bilhões por ano com exclusões supostamente indevidas de incentivos concedidos pelos Estados e Distrito Federal da base de cálculo de tributos federais.
As exclusões, segundo a nota técnica, aumentaram mais de 40% após 2017, com a edição da Lei Complementar nº 160 e um julgamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os ministros da 1ª Seção permitiram a retirada do crédito presumido das bases do IRPJ e da CSLL (EREsp 1517492).
Ainda de acordo com a nota, cerca de R$ 2 trilhões em incentivos estaduais foram dados a empresas entre 2020 e 2022. Além do impacto financeiro, a Receita Federal citou alta na litigiosidade: quase metade dos mandados de segurança impetrados contra ela em junho de 2023 envolveram o tema.
No Judiciário, a tendência é mais favorável ao contribuinte. E se considerados apenas os casos sobre crédito presumido, o entendimento contra a cobrança tem mais envergadura: de um total de 596 que discutem o benefício, 371 foram favoráveis (62%). O único Tribunal Regional Federal (TRF) com posição majoritariamente pró-Fisco é o da 4ª Região – que abrange a região sul do país. Apenas 36 de 130 decisões de primeira e segunda instâncias acataram o argumento das empresas (28%).
As decisões beneficiam pelo menos 260 empresas dos mais diversos setores (que podem ter um ou mais processos sobre o tema), como a Apple, Raia Drogasil, Tommy Hilfiger Brasil, Camil, Nestlé, Pepsi, Johnson & Johnson, E-Vino e Mobly. O levantamento, feito pelo escritório Mattos Filho, mapeou liminares, sentenças e acórdãos de primeira e segunda instâncias nas seis regiões da Justiça Federal. Algumas decisões abrangem todos os benefícios fiscais, já outras abarcam só crédito presumido, a depender do pedido do contribuinte. Também existem casos que separam o tributo cobrado – IRPJ/CSLL e PIS/Cofins.
A divisão tem motivo. Segundo advogadas, a tese do crédito presumido é mais forte que a dos outros benefícios, por conta de precedentes do STJ. Em 2017, a 1ª Seção decidiu que o IRPJ e CSLL não poderiam ser cobrados sobre o crédito presumido, pois haveria ofensa ao pacto federativo. Em 2023, a 1ª Seção, em recurso repetitivo, analisou se o entendimento de 2017 poderia ser estendido aos demais benefícios fiscais, como redução de base de cálculo. A conclusão foi que não.
Os ministros levaram em consideração efeitos contábeis. No crédito presumido, o governo estadual concede um crédito ao contribuinte, o que seria uma “grandeza positiva” no caixa. Nos outros tipos, haveria desoneração – seriam “benefícios negativos”. Para afastar a cobrança nos outros incentivos, deveriam ser cumpridos determinados requisitos legais, previstos no artigo 30 da Lei nº 12.973/2014 (Tema 1182).
Depois do julgamento, veio a nova lei, de nº 14.789, que revogou o artigo 30 e equiparou todos os benefícios, chamando-os de subvenções para investimento. As empresas teriam que se habilitar na Receita Federal para depois tomar um crédito fiscal de até 25%.
As empresas, com a edição da nova lei, decidiram recorrer ao Judiciário. As decisões são diversas, o que deve fazer com que a Justiça tenha que fixar nova tese sobre o assunto. “Tem alguns temas que estão pendentes e muitas decisões não aplicam o entendimento do STJ. É um assunto do passado, mas que permanece com discussões mesmo com a nova lei”, afirma a tributarista Ariane Guimarães, sócia do Mattos Filho. “Neste ano, o STJ pode vir a se deparar com o tema, pela rapidez com que os casos estão sendo julgados.”
Segundo ela, existe uma “resistência” de tribunais em aplicar a decisão do STJ. “O TRF-4 compreende que a decisão do crédito presumido não vale para crédito outorgado, que são a mesma coisa”, diz. Para ambas as teses, acrescenta, há argumentação favorável aos contribuintes. “Mas para o crédito presumido é mais forte.”
A decisão do STJ, de acordo com Ariane, compreende que o crédito presumido não é fato gerador do Imposto de Renda e da CSLL. “Seria coerente o STJ respeitar a jurisprudência em novo julgamento. O crédito presumido continua tendo as mesmas características e a nova lei não pode dizer que o que não era fato gerador passa a ser fato gerador. Precisa estar em consonância com a Constituição Federal.”
O Supremo Tribunal Federal (STF) também julgará o tema, em três ações diferentes. Em uma delas, a discussão é mais abrangente, sobre a exclusão do PIS/Cofins da base de cálculo dos créditos presumidos de ICMS (Tema 843). Em outros três casos, é questionada a constitucionalidade da Lei de Subvenções (ADIs 7751, 7604 e 7622).
A tributarista Maria Andréia dos Santos, sócia do Machado Associados, diz que esperava que a tese dos contribuintes fosse mais aceita no TRF-2, que engloba os Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo. “Há uma certa vantagem [dos contribuintes], mas não é estrondosa”, afirma. “A gente tinha a expectativa que andasse melhor quando tratasse do crédito presumido, porque tem decisão favorável contra a tributação no STJ”, completa.
Ela observa que as vitórias judiciais dos contribuintes têm tido efeito na arrecadação do governo, que havia previsto inicialmente levantar com a tributação das subvenções R$ 35,4 bilhões – valor que foi caindo ao longo do tempo. A arrecadação efetivamente alcançada, acrescenta, mostra que não se atingiu o esperado. Em 2024, até novembro, segundo a Receita Federal, foram arrecadados, no total, R$ 10 bilhões de IRPJ e CSLL.
“Vários setores da economia cresceram e isso gera aumento de receita, mas grande parte das empresas socorreu-se do Judiciário e o placar está mais favorável aos contribuintes”, diz ela, que espera que o STJ, ao retomar o tema, reafirme a jurisprudência. “É mais do que uma expectativa, é o que imporia a preservação da segurança jurídica. Não pode haver uma mudança de posição sem que nenhum fato tenha se alterado, porque a mudança legislativa não é capaz de mudar essa posição. O pacto federativo continua em vigor.”
Procurada pelo Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) não deu retorno até o fechamento da edição.
Fonte: Valor Econômico, 27 de janeiro de 2025