por Daniel Cerveira
A Lei de Franquia Brasileira, de 26 de dezembro de 2019, impõe algumas exigências para aqueles que pretendem explorar o segmento de franchising, entre elas a necessidade de ser fornecida ao candidato a franqueado a circular de oferta de franquia, com todos os seus itens obrigatórios e com a antecedência mínima de 10 dias da assinatura do contrato de franquia ou do pagamento do qualquer tipo de taxa.
A mesma lei acima estabelece que, na hipótese de não ser corretamente entregue a circular de oferta, o franqueado poderá “arguir anulabilidade ou nulidade, conforme o caso, e exigir a devolução de todas e quaisquer quantias já pagas ao franqueador, ou a terceiros por este indicados, a título de filiação ou de royalties, corrigidas monetariamente”
Como se verifica, são graves as consequências contra os franqueadores que não observarem as regras previstas na Lei de Franquia.
Ocorre que muitas redes, tipicamente de franquia, assim não se denominam, por entender que podem agir deste modo e “escolher” a relação jurídica formada entre os seus integrantes. É comum no mercado a celebração de avenças com as mais variadas nomenclaturas, por exemplo, contratos de revenda, de distribuição, licenciamento etc., em que pese estarem presentes todas as características da franquia empresarial.
Além do desconhecimento técnico, as justificativas para esta conduta são no sentido de que a concessão de franquia gera mais custos, bem como pesadas obrigações e responsabilidades para os detentores da marca, as quais supostamente não seriam devidas em outras modalidades contratuais. Existem também as redes mais antigas, criadas antes da Lei de Franquia (1994), que não se adaptaram à legislação.
Primeiramente, é importante destacar que a citada Lei de Franquia é norma de ordem pública (cogente), o que, portanto, impõe a sua aplicação em prejuízo da autonomia da vontade das partes.
Ademais, o sistema de franquia não é necessariamente mais custoso do que outros negócios envolvendo distribuição de produtos, tampouco aumenta a responsabilidade do “franqueador” com relação à unidade franqueada.
Mesmo no que tange ao suporte contínuo e apoio operacional, a Lei de Franquia não exige nenhuma providência especial, que o detentor da marca já não realizaria junto aos seus distribuidores, independentemente de eventual obrigação legal, como supervisão regular e apoio na compra de produtos, entre outras. A Lei em pauta dispõe que devem ser descritos na circular de oferta os benefícios oferecidos a título de supervisão, orientação, treinamentos, manuais, auxílio na escolha do ponto e padrões arquitetônicos, ou seja, o texto legal não determina expressamente que todos estes itens devem ser disponibilizados pelo franqueador e de que forma.
Feitos estes esclarecimentos, cumpre ser definido o que é franquia empresarial e no que difere da licença de uso da marca. Em resumo, franquia empresarial é um sistema por meio do qual ocorre a cessão do direito de uso de marca (ou patente) ao franqueado, associado ao direito de distribuição de produtos ou serviços.
A Licença de uso igualmente envolve a cessão de uso da marca, porém sem qualquer vinculação a um negócio específico, muito embora seja permitido ao licenciante controlar as especificações, natureza e qualidade dos produtos a serem comercializados pelo licenciado. Por exemplo, na licença, respeitando os limites do contrato respectivo, o licenciado pode eventualmente explorar produtos e ramos distintos (brinquedos, alimentação, lazer etc.), o que não acontece na franquia, vez que o franqueado somente está autorizado a utilizar a marca acompanhada de um negócio próprio e dentro dos padrões exigidos pela franqueadora (por exemplo, um franqueado de uma rede de lanchonetes somente pode fazer uso da marca para a exploração de uma unidade da rede).
Todo negócio tem uma base legal a ser seguida, à luz do sistema jurídico vigente, a qual não pode ser livremente manejada pelos agentes do mercado, sob pena das implicações deste enquadramento incorreto, tais como, as de ordem tributária, societária e contábil, além das específicas, como ocorre nas relações de franquia (anulação do contrato, devolução das quantias pagas e indenização).
Por fim, impõe esclarecer que, da mesma forma que a circular de oferta protege os interesses dos franqueados, os franqueadores também são beneficiados pela sua imposição legal, quando cumpridas todas as determinações. Afinal, uma vez entregue corretamente a circular de oferta, o franqueado não poderá reclamar de falta de informações acerca do negócio em que ingressou.
*Daniel Cerveira, sócio do escritório Cerveira, Bloch, Goettems, Hansen & Longo Advogados Associados. Autor dos livros “Shopping Centers – Limites na liberdade de contratar”, São Paulo, 2011, Editora Saraiva, e “Franchising”, São Paulo, 2021, Editora Thomson Reuters Revista dos Tribunais, prefácio do Ministro Luiz Fux, na qualidade de colaborador. Consultor Jurídico do Sindilojas-SP. Integrante da Comissão de Expansão e Pontos Comerciais da ABF – Associação Brasileira de Franchising. Pós-Graduado em Direito Econômico pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV/SP) e em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Atuou como Professor de Pós-Graduação em Direito Imobiliário do Instituto de Direito da PUC/RJ, MBA em Gestão em Franquias e Negócios do Varejo da FIA – Fundação de Instituto de Administração e Pós-Graduação em Direito Empresarial da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Artigo publicado: Gazeta da Semana, 7 de fevereiro de 2024