Estudo aponta que cláusula coletiva que limita ou afasta direito pode ser aceita ou não em determinado TRT, a depender da turma julgadora
Adriana Aguiar
Um ano após o Supremo Tribunal Federal (STF) decidir sobre a validade de normas de acordos e convenções coletivas que limitam ou afastam direitos trabalhistas, empresas e trabalhadores têm que contar com a sorte para obter decisões favoráveis nos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs). A depender da turma julgadora, uma cláusula coletiva pode ser aceita ou não, de acordo com levantamento realizado pelo FAS Advogados.
O julgamento do STF envolveu processo anterior à reforma trabalhista (Lei nº 13.467, de 2017), que estabeleceu a prevalência do que é negociado sobre a legislação. Porém, como a decisão dos ministros foi dada em recurso com repercussão geral, serve de referência para todo o Judiciário. O processo transitou em julgado no dia 9 de maio (Tema 1046 ou ARE 1121633).
Com a reforma, passou a existir um rol taxativo do que não pode ser negociado (artigo 611-B da CLT) – praticamente o que está na Constituição. Estão na lista anotações na carteira de trabalho, seguro-desemprego, depósito do FGTS, salário mínimo, 30 dias de férias, repouso semanal e aposentadoria.
Já no artigo 611-A existem exemplos do que pode ser negociado: planos de cargos e salários, regras de teletrabalho, sobreaviso e trabalho intermitente, além de banco de horas e compensação de feriados.
Nos TRTs, os desembargadores têm seguido a maioria desses parâmetros, mas ainda há divergência em determinados assuntos. Hoje tramitam na segunda instância trabalhista cerca de 1,8 mil processos sobre o tema, que discutem um valor total de R$ 750 milhões, segundo dados da empresa de jurimetria Datalawyer Insights.
No TRT-SP (2ª Região), por exemplo, o estudo aponta decisões em sentidos opostos sobre a cláusula nº 11 da Convenção Coletiva dos Bancários. O dispositivo trata da possibilidade de compensação de condenação em horas extras com valor pago como gratificação de função.
A 1ª e 4ª Turmas do TRT-SP têm decisões que consideram a cláusula inválida por entender que essa compensação violaria os incisos VI, XIII e XIV do artigo 7º da Constituição, que tratam da jornada de trabalho e irredutibilidade do salário (processos nº 1000537-05.2019.5.02.0075 e nº 1000389-64.2021.5.02.0708).
Porém, a mesma 1ª Turma, em um caso semelhante, a 5ª, a 6ª e a 12ª Turmas do TRT paulista entendem pela validade da cláusula (processos nº 1000920-57.2021.5.02.0060, nº 1000498-82.2021.5.02.0060, nº 1001520-45.2019.5.02.0708 e nº 1001422-62.2021.5.02.0717).
A relatora, juíza Maria de Fátima da Silva, da 1ª Turma, afirma, na decisão, que “a compensação pactuada não é proibida pelo ordenamento jurídico, pelo que não cabe, ao Poder Judiciário, interferir no núcleo essencial do negócio, que está afeto apenas à autonomia da vontade dos entes coletivos”.
Também há divergência entre turmas do TRT-SP sobre cláusulas que modificam o divisor para cálculo de horas extras. A 2ª Turma, por exemplo, considerou válida uma alteração. No caso, apesar de o empregado se enquadrar no divisor 200, conforme Súmula nº 431 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), admitiu que, por meio de acordo coletivo, possa ser aplicado o divisor 220, com base no artigo 611-A da CLT (processo nº 1000687-96.2021.5.02.0048).
Já a 5ª Turma, ao analisar cláusula semelhante, considerou que modificação no divisor aplicável para o cálculo das horas extras afrontaria a proteção à jornada de trabalho prevista no artigo 7º, XVI, da Constituição e o artigo 611-B da CLT, por configurar redução no percentual de pagamento das horas extraordinárias (processo nº 1000918-14.2021.5.02.0052).
No TRT-RJ (1ª Região), há também decisões divergentes – inclusive no mesmo colegiado – sobre um mesmo assunto, como elastecimento de jornada de trabalho. A 2ª Turma anulou cláusula que aumentou o limite mensal de horas trabalhadas por um bombeiro civil para 180 horas (processo nº 0101043-73. 2020.5.01.0018). Mas considerou válido em caso envolvendo trabalhador de uma siderúrgica (processo nº 0100941-56.2020.5.01.0081).
Esse panorama, segundo o advogado Luiz Eduardo Amaral, sócio do FAS Advogados, tem prejudicado empregadores e trabalhadores. “Haver decisões divergentes, até mesmo dentro de uma mesma turma, impossibilita a criação de uma jurisprudência estável, criando uma grande insegurança jurídica”, diz o advogado, acrescentando que a segunda instância tem sido mais resistente que o TST .
Carlos Weiss, da Weiss Advocacia, também tem observado divergência nos TRTs. Ele obteve recentemente, na 4ª Turma do TRT-RJ, uma decisão favorável a uma cláusula de acordo coletivo firmado por uma empresa de serviços e equipamentos. Trata de turno de revezamento de oito horas (processo nº 0100851-07.2021.5. 01.0342). Contudo, afirma, nem sempre os tribunais regionais têm sido favoráveis à manutenção do que foi acordado, ainda que estejam, ao seu ver, cumprindo os artigos 611-A e 611-B da CLT.
Para Weiss, depois do julgamento do Supremo e da reforma trabalhista “clareou-se muito a situação”. “A longo prazo, acho que não teremos mais essa discussão. Hoje ainda existem essas divergências nos TRTs, mas em geral temos sucesso nesses processos após o julgamento do STF.”
José Eymard Loguercio, do escritório LBS Advogadas e Advogados, que defende trabalhadores, entende, porém, que ainda há espaço para questionamento, caso não exista uma razão para restringir ou afastar direitos em negociação coletiva.
Fonte: Valor Econômico. 23 de junho de 2023