Cobrança sobre tarifas de transmissão e de distribuição está autorizada por liminar
Por Joice Bacelo
Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) têm uma discussão de bilhões de reais para resolver logo após o Carnaval. Eles vão tratar da cobrança de ICMS sobre as contas de luz. Se as tarifas correspondentes ao custo de transmissão (TUST) e de distribuição (TUSD) de energia elétrica compõem ou não a base de cálculo do imposto.
Esse julgamento envolve a Lei Complementar (LC) nº 194, de junho de 2022, que fala expressamente sobre a exclusão desses valores. Os ministros vão se pronunciar sobre a constitucionalidade da norma.
Só que, segundo advogados, existe uma discussão anterior e mais ampla – pendente de decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – que poderá ser afetada a depender do caminho escolhido pelo Supremo nesse julgamento.
Especialistas dizem que a luz vermelha acendeu na semana passada, com uma liminar proferida pelo ministro Luiz Fux. Ele atendeu pedido dos Estados e suspendeu o trecho da LC nº 194 que excluiu a TUST e a TUSD da cobrança de ICMS.
Os Estados, desde então, puderam voltar a exigir tais valores dos contribuintes. As tarifas de transmissão e distribuição compõem o valor total das contas de luz residenciais, comerciais e industriais. Estão, inclusive, discriminadas nas faturas.
Se excluídas da base de cálculo do ICMS, paga-se menos imposto aos Estados. Se contabilizadas, por outro lado, paga-se mais. “Pode fazer com que a energia elétrica fique mais cara”, observa Vinícius Jucá, do escritório Lefosse.
Fux levou em conta, para antecipar a decisão, o impacto da exclusão aos cofres públicos. “A estimativa é de que, a cada seis meses, os Estados deixem de arrecadar, aproximadamente, R$ 16 bilhões”, disse.
Está preocupando os advogados, no entanto, o fato de o ministro ter entrado no “mérito” das cobranças. Logo no começo da decisão, Fux cita a discussão que está no STJ.
Os ministros daquela Corte vão julgar, em recurso repetitivo – com efeito vinculante para todos os contribuintes – qual é a base de cálculo adequada do ICMS na tributação da energia elétrica: o valor da energia efetivamente consumida ou o valor da operação, o que incluiria a TUST e TUSD.
Ocorre que mais para baixo, ao fundamentar a sua decisão, Fux se posiciona sobre esse ponto. “O uso do termo operações remete não apenas ao consumo efetivo, mas toda a infraestrutura utilizada para que este consumo venha a se realizar, isto é, o sistema de transmissão de energia”, frisa o ministro.
O julgamento desse tema, por todos os ministros da Corte, está marcado para ocorrer no Plenário Virtual entre os dias 24 deste mês e 3 de março.
Há preocupação de advogados de que eles referendem a decisão de Fux da forma como está redigida – tratando da cobrança em si, e não somente da constitucionalidade ou não da Lei Complementar nº 194. Se isso acontecer, dizem, os contribuintes perdem fôlego.
“Há risco de o STJ entender que o STF já decidiu contra o contribuinte”, diz o advogado Octávio Alves, do escritório Vinhas e Redenschi.
Essa questão é importante porque a LC nº 194 modificou a Lei Kandir (LC nº 87, de 1996). Deixou expresso que os valores de TUST e TUSD não integram a base de cálculo do ICMS.
Antes dessa alteração – que ocorreu em junho do ano passado -, não havia nada expresso sobre o assunto na lei, diz Douglas Mota, do escritório Demarest. Nem pela exclusão nem pela inclusão. Por isso, a briga entre Estados e contribuintes vem de longa data.
Se o trecho da LC nº 194 deixar de existir, portanto, toda essa discussão sobre a base de cálculo do ICMS volta à tona.
Os contribuintes defendem que o imposto incide somente sobre o valor da mercadoria – no caso, a energia elétrica – e não sobre todos os valores envolvidos na operação. Já para os Estados, o ICMS tem de ser cobrado sobre o valor da operação, com todos os custos dessa operação embutidos.
Octávio Alves, do escritório Vinhas & Redenschi, chama atenção para o fato de que esse tema já transitou pelo STF e, em 2017, os ministros declinaram do julgamento. Entenderam que tratava-se de matéria infraconstitucional e, por esse motivo, deixaram a palavra final com o STJ.
No ano seguinte, em 2018, aquela Corte decidiu, então, que julgaria o tema com efeito repetitivo (tema 986). “Seria uma reviravolta muito grande, agora, o STF decidir julgar”, afirma Alves.
Segundo o advogado, muitas atacadistas, indústrias e associações de hotéis – que consomem bastante energia elétrica em suas atividades – têm ações discutindo essa cobrança.
O advogado Leonardo Battilana, do escritório Veirano, também entende que o STF pode atrapalhar as discussões no STJ se entrar na questão da base de cálculo. Ele diz que a decisão não seria vinculativa, ou seja, os ministros do STJ não estariam obrigados a segui-la, mas poderia influenciar o julgamento.
“Mas não me parece que seria a forma mais correta de o STF tomar como atitude nesse caso, já que no passado o próprio STF disse que se tratava de matéria infraconstitucional”, pondera.
A LC nº 194 – que está no centro da discussão no STF – surgiu no contexto do aumento do preço dos combustíveis no ano passado. Determinou a aplicação do ICMS pelo piso (17% ou 18%) sobre bens e serviços relacionados a combustíveis, gás natural, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo. Essa limitação está relacionada à essencialidade dos itens.
Em dezembro, o STF homologou um acordo entre Estados, Distrito Federal e União sobre o ICMS dos combustíveis. Em relação à energia elétrica, ficou acertado que seria instituído um grupo de trabalho para discutir, dentre outros pontos, a incidência de ICMS sobre as tarifas de transmissão e distribuição.
A União, no entanto, não se opôs a uma eventual medida cautelar sobre esse ponto especificamente. Os Estados, então, protocolaram o pedido. Na Corte, essa discussão ocorre por meio da ADI 7195.
Fonte: Valor Econômico, 13 de fevereiro de 2023