Principal falha é falta de informações claras sobre preços e produtos. Rede Zara está sob investigação do órgão por cobrar R$ 0,60 por sacola e vender artigos com preços em euros
Fátima Fernandes
Se tem algo que coloca por terra qualquer programa de fidelização, é quando o cliente tem de recorrer a órgãos de proteção ao consumidor para resolver alguma pendência com a loja.
A decisão da Zara de cobrar R$ 0,60 por sacola causou revolta da clientela nas redes sociais no ano passado.
Mais recentemente, outro ato da rede espanhola acabou em denúncia de cliente e fiscalização do Procon-SP. Seja por um descuido ou não, a fiscalização do Procon-SP encontrou produtos na loja da Zara Home, no shopping JK Iguatemi, com preços em euros na etiqueta.
Na hora que o cliente chegava ao caixa para fazer o pagamento, era feita a conversão em reais.
Isto é, se na etiqueta constava o preço de 20 euros, o produto saía por cerca de R$ 110.
A fiscalização do Procon-SP também constatou que sacolas com o logo da marca estavam sendo cobradas dos consumidores.
Cobrar pela sacola em que o cliente leva os produtos para a casa e colocar preço na etiqueta em moeda estrangeira estão de acordo com a legislação brasileira?
Há alguns anos, muito se discutiu no país sobre a cobrança das tais sacolas plásticas, aquelas usadas em supermercados. Os consumidores ficaram revoltados.
Alguns supermercados desistiram da prática para não afugentar a clientela. Outros, como a rede Pão de Açúcar, cobram até hoje pelas sacolinhas.
O fato é que não existe legislação estadual que regula a questão das sacolas plásticas, de acordo com Guilherme Farid, chefe de gabinete do Procon-SP.
Mas há leis municipais, como na cidade de São Paulo, que proíbe a distribuição ou venda das tais sacolinhas, quando não forem produzidas com material biodegradável.
“Tribunais de Justiça e STF (Supremo Tribunal Federal) já validaram que essas normas são constitucionais e estão na direção da preservação do meio ambiente”, diz Farid.
No caso das sacolas de lojas em geral, diz ele, existe entendimento, com base em ações civis públicas, de que, se há logo da marca na sacola, cobrar do consumidor é prática abusiva.
“O consumidor paga para ter uma sacola e ainda faz publicidade da marca?” Prática abusiva está respaldada pelo artigo 39, inciso 5º, do CDC (Código de Defesa do Consumidor).
Cita o artigo: “Vantagem manifestamente excessiva é aquela que torna flagrante o desequilíbrio entre o fornecedor e o consumidor na relação de consumo. O objetivo maior do direito do consumidor é o alcance da harmonia e equilíbrio nas relações de consumo.”
De acordo com Farid, também no caso da sacola plástica de supermercados, se tiver a marca da loja, não pode ser cobrada do cliente, mesmo se for biodegradável.
Não existe proibição legal de cobrança, diz ele, no caso das sacolas do comércio em geral, desde que não tenha o logo da marca. “Com logo, constitui, sim, prática abusiva.”
“O consumidor não pode ser compelido a fazer propaganda da loja e ainda pagar por isso”, afirma Danielle Juvela, advogada do Cerveira Advogados Associados.
Nas pesquisas que fez sobre o assunto, diz ela, está claro que com logo estampado, as sacolas não podem ser cobradas, como faz a Zara.
E, no caso de venda em moeda estrangeira, até pode, entende ela, desde que ao lado do preço em dólar, euro, por exemplo, conste também o preço em reais.
O caso da Zara, que teve fiscalização do Procon-SP acompanhada por Celso Russomano para o quadro Patrulha do Consumidor, exibido pela TV Record, está na diretoria de fiscalização do Procon-SP.
A cobrança da sacola com o logo da marca e a venda de produtos em moeda estrangeira, além de outras condutas eventualmente denunciadas por clientes da loja estão sendo investigadas.
Maria Helena Bragaglia, sócia do Demarest Advogados, diz que de fato há várias proibições para a comercialização de produtos em moeda estrangeira no país.
“Só que há situações de empresas, que atuam globalmente, como é o caso da Zara, que podem ser pontuais, não caracterizar adoção de prática”, afirma.
Como a rede possui lojas em vários lugares do mundo, diz ela, pode ser que passou um ou outro produto com etiqueta em moeda de fora, o que não caracteriza prática abusiva.
“Agora, quando isso acontece, a loja tem de vender pelo preço da etiqueta, como se fosse em reais.” Isso aconteceu no ato da fiscalização do Procon-SP.
Um vaso que custava 19 euros foi vendido por R$ 19, mas a sacola foi cobrada do cliente.
Se forem comprovadas as práticas abusivas da rede espanhola, de acordo com Farid, a multa pode chegar a pouco mais de R$ 11 milhões.
Um processo de fiscalização pode demorar até seis meses para a definição do auto de infração.
“Trabalhamos para que o auto de infração seja sempre o mais robusto possível, para não ser questionado na Justiça”, diz.
O Procon-SP ganha 95% dos casos questionados na Justiça, justamente porque são bem fundamentados.
QUASE 3 MIL MULTAS EM 2022
Violações ao artigo 31, do CDC (lei 8.078, de 1990), que trata da necessidade de informações claras sobre produtos e preços, foram as que geraram mais multas no Estado de SP em 2022.
De acordo com o Procon-SP, 2.992 multas foram aplicadas ao varejo paulista no ano passado, número 80% maior do que o de 2021 (1.660) e quase o dobro do de 2020 (1.524).
Esses números revelam, na avaliação de Farid, que o varejista brasileiro está sendo falho em apresentar informações precisas, claras, sobre preços e produtos.
“Se o consumidor tiver de perguntar o preço ou fazer conta para saber quanto custa um produto, existe prática abusiva da empresa”, diz Farid.
Essas falhas, diz ele, podem resultar em denúncias, fiscalizações e, consequentemente, multas.
No ano passado, as disputas entre consumidores e empresas atingiram a cifra de R$ 3,5 bilhões, dos quais R$ 2,8 bilhões foram resolvidos com a intermediação do Procon-SP.
Nestes primeiros dias de 2023, o número está perto de R$ 132 milhões.
Farid recomenda aos lojistas mais atenção em relação às queixas dos clientes para que as pendências não desemboquem nos órgãos de defesa dos consumidores.
“Quando o varejista atende bem o cliente, a tendência é fidelizar. Mas percebemos que hoje é mais fácil o consumidor fazer reclamação no Procon do que nas lojas”, diz.
Quanto mais as empresas dificultam o acesso aos canais para reclamação, mais os clientes recorrem ao Procon, que acaba notificando a empresa para dar esclarecimentos.
Somente no ano passado, o Procon-SP recebeu quase um milhão de reclamações de consumidores.
Além da violação ao artigo 31 do CDC, que trata da clareza de informações sobre produtos e preços, outra reclamação que se destaca é a demora ou não entrega de produtos e serviços.
Diante de tantas queixas, o Procon-SP estabeleceu uma agenda de trabalho para agilizar os processos de atendimento e de fiscalização em 2023.
“Todas as diretorias estão voltadas para esses assuntos, olhando para o mesmo lado.”
Fonte: Diário do Comércio, 18 de janeiro de 2023