Já de praxe no mercado imobiliário, a vistoria protege tanto o locador quanto o locatário, mas não é obrigatória
Se entrar em um imóvel alugado pode ser complicado, sair dele tampouco é fácil. Isso porque a Lei do Inquilinato prevê que o local seja devolvido ao dono no estado em que foi recebido – salvo as deteriorações decorrentes do seu uso normal –, mas não diz o que o locatário pode fazer para cumprir esta exigência.
Já de praxe no mercado, a vistoria não é um procedimento previsto em lei, nem obrigatório, mas segundo especialistas, deve ser feita mesmo que nenhuma das partes peça. E com fotos.
Em abril deste ano, Diovani Oliveira, de 38 anos, representante comercial de São José dos Pinhais, região metropolitana de Curitiba (PR), enfrentou várias dificuldades ao devolver um imóvel que alugou para sua irmã.
No apartamento que alugou para a irmã, a imobiliária fez uma vistoria de entrada, mas apenas em texto. Passados os três anos do contrato, na vistoria final de entrega do imóvel, a imobiliária pediu a pintura do imóvel e a limpeza do carpete. Na época, tanto a empresa quanto Oliveira foram atrás de orçamentos. Por questão de preço, ele e sua irmã decidiram fazer os serviços com uma empresa que encontraram.
No entanto, ao retornar no imóvel, a imobiliária não só reprovou o serviço como pediu que eles trocassem todo o carpete. “Não concordei, mas mesmo contrariado, contratei novas empresas e mandei refazer o serviço. Resultado: reprovado novamente. Isso que o apartamento, que era velho e com problemas dos anos sem reforma, estava melhor do que quando aluguei. Extremamente irritado, mandei refazer o serviço pela terceira vez, que foi finalmente aprovado, mas com restrição”, contou ao iG.
De acordo com Diovani Oliveira, gerente da imobiliária que vistoriou o apartamento pela última vez, se eles tivessem “optado pela contratação dos prestadores de serviços indicados por eles”, não teria sido necessário reprovar duas vezes a limpeza. O representante comercial contou que cogitou colocar a empresa na justiça, mas que decidiu não levar adiante, e que ainda teve que pagar uma taxa de limpeza no valor de R$ 100 para a imobiliária.
O que é uma vistoria?
Diretora da Lello Imóveis, Roseli Hernandes explica que a prática da vistoria nasceu da necessidade das próprias imobiliárias atestarem que o imóvel alugado está habitável antes de entregá-lo ao futuro inquilino, ou “em estado de servir ao uso a que se destina”, como prevê a lei. A gerente de locação da Pacheco Imóveis, Sônia Maria Guilhon e Sá, ressalta que a vistoria leva em conta a parte estrutural do imóvel, e que “um piso ruim não inviabiliza seu uso”.
Em termos gerais, a vistoria é um tipo de inspeção que pode ser feita por um profissional específico – como o vistoriador, encontrado nas imobiliárias –, pelo proprietário ou mesmo pelo futuro inquilino. O objetivo dessa análise é produzir um laudo sobre o estado do imóvel, especialmente no que diz respeito a sua aparência, por dentro e por fora.
Segundo Roseli, esse documento deve descrever o estado de conservação exato do imóvel, inclusive seus defeitos, dar informações completas sobre a mobília e ressaltar algum aspecto em muito bom estado ou que seja novo. “A vistoria é uma garantia para o proprietário de que ele vai receber o imóvel como entregou, e também para o locatário, caso o locador peça na entrega algo que não constava no local anteriormente ou que já estava danificado”, esclarece.
Sônia explica também que a vistoria tem uma lógica própria, e que os profissionais são orientados a, ao entrar no imóvel, documentar cada aspecto da estrutura, não apenas em texto, mas especialmente com fotos. Segundo ela, cada cômodo deve ser vistoriado e também a parte externa. Uma boa vistoria, exemplifica Roseli, da Lello, registra em fotos até uma porta com fechadura que está sem chave e qualquer buraco ou risco no piso do imóvel.
Em geral, as imobiliárias fazem a vistoria de entrada, para documentar o estado do local, e a de saída, para verificar se o imóvel está nas mesmas condições. No entanto, segundo a executiva da Pacheco Imóveis, Sônia, o proprietário pode fazer vistorias durante o contrato caso receba alguma denúncia de mau uso do seu imóvel. De acordo com Roseli, o locador também pode pedir uma vistoria de constatação caso tenha dado um desconto ao locatário por benfeitorias no local.
Laudo da vistoria funciona como documento legal
A vistoria é uma prática bastante recorrente nas imobiliárias, mas caso o futuro inquilino encontre um imóvel no qual nem a imobiliária, nem o proprietário exigem um laudo, ele mesmo deve fazer um, por precaução. É o que sugere a diretora da Lello Imóveis.
Além disso, o locatário deve ir até o imóvel após a vistoria e antes de assinar o contrato para se certificar de que o vistoriador não se esqueceu de nenhum detalhe importante sobre o imóvel. “O vistoriador também pode errar”, lembra Sônia, da Pacheco.
Em negociações feitas por imobiliárias, a vistoria está prevista em uma cláusula, enquanto o laudo costuma ser anexado em contrato. O advogado Mario Cerveira esclarece que esse documento deve ter a rúbrica (tipo de visto) dos envolvidos em todas as páginas e, mesmo que o proprietário ou a imobiliária não aceitem o procedimento como anexo do contrato, o inquilino deve sim fazê-lo, pois pode servir como prova em uma eventual disputa judicial.
“O cuidado deve ser de ambas as partes, mas normalmente, no final do contrato, a briga é do locador com o locatário por reparos, por isso é preciso se prevenir. No caso de não estar prevista, a vistoria deve partir do próprio inquilino”, diz. Segundo o advogado, com frequência, o locador procura a justiça para que o imóvel danificado seja colocado em condições de uso pelo inquilino, e se ele não tiver culpa, se a questão for estrutural, vai precisar se defender.
Cerveira, que tem experiência nesse tipo de ação, completa é comum as pessoas fazerem fotos do imóvel com um jornal do dia da imagem para provar a veracidade do laudo.
Problemas ocultos são difíceis de documentar
De acordo com Roseli, da Lello, uma boa vistoria descreve cada detalhe do local: “Lendo, você tem que ser capaz de visualizar o imóvel”. A executiva, que conta com um sistema informatizado disponível em smartphones e tablets para essa análise, ressalta que o procedimento é mais aparente, que problemas ocultos, como os hidráulicos e elétricos, são mais difíceis de serem documentados.
Por isso, algumas imobiliárias, dentre elas a Lello, dão ao inquilino 10 dias para que perceba os problemas não visíveis e, caso sejam estruturais, possam ser adicionados à vistoria. “Como você testa uma banheira de hidromassagem, por exemplo? Não temos como ficar um dia inteiro enchendo e esvaziando para verificar se há vazamento. Além disso, por vezes, o imóvel está com água, a luz ou mesmo o gás desligado, o que nos impede de realizar qualquer teste de vistoria desse tipo”.
A Pacheco Imóveis não adota tal prática, e sugere que, sempre que possível, o locatário teste também a rede elétrica e a parte hidráulica do imóvel. Ainda assim, Sônia alerta que se o inquilino notar um problema estrutural depois da vistoria, notifique a imobiliária ou o proprietário imediatamente para que a questão seja analisada e, dependendo da perícia de um profissional, o locador resolva ou, em caso de mau uso, que o locatário se encargue de consertar.
Os 10 mandamentos de uma boa vistoria:
1) De dentro para fora, de fora para dentro: Vistorie cada cômodo do imóvel, inclusive a fachada e, se possível, até o telhado. Descreva se o ambiente é úmido, se tem mofo em algum local, por exemplo;
2) Estrutura oculta: Sempre que possível, teste a rede elétrica, a parte hidráulica e o gás, quando for encanado. Se estiverem desligados, fique atento a possíveis problemas assim que entrar no imóvel;
3) Pintura: Repare não apenas nas paredes, mas também no teto. Se o imóvel estiver recém-pintado, deixe isso claro e também coloque quais as cores atuais das paredes, teto, janelas, portas e rodapés, e também se o trabalho foi bem feito. Se você decidir pintar o imóvel, pode ter que entregá-lo com as cores originais. Se a pintura estiver velha e as paredes ou o teto sujos, também relate. E se encontrar buracos ou marcas, fotografe.
4) Trincos e fechaduras: Verifique se todas as portas estão fechando como deveriam e se as fechaduras estão em bom estado de conservação e funcionamento. Se as fechaduras dos cômodos ou dos armários, por exemplo, não tiverem chave, relate na vistoria.
5) Pisos: Descreva em seu laudo o estado de conversação do piso e fotografe cada marca encontrada, risco ou buraco.
6) Azulejos: Descreva e fotografe os azulejos da cozinha, do banheiro e de qualquer cômodo que tiver esse tipo de revestimento. Fotografe eventuais buracos e rachaduras. Se tiver diferença de padrão entre os azulejos também documente.
7) Vidraças: Analise o estado de conservação das vidraças e caso encontre algum vidro quebrado ou solto, fotografe e descreva também. Vidros sujos devem ser documentados.
8) Janelas e portas: Verifique se as portas e as janelas fecham e abrem como deveriam, e se estiverem rangendo, documente. Marcas também devem ser descritas.
9) Mobília: escreva sobre cada armário, utensílio ou eletrodoméstico deixado no imóvel. Relate não apenas seu estado de conservação, mas também cor e marca. Fotografe. O mesmo cuidado vale para luminárias: se estiver faltando um detalhe de alguma, deixe registrado.
10) Louças: também descreva as louças do imóvel, o funcionamento e o estado de conservação de torneiras e vasos sanitários, por exemplo.
Fonte: Portal IG, 29 de julho de 2014