Atraso na inauguração de shopping centers e os direitos dos lojistas

Esse problema afeta de maneira direta os lojistas que já assinaram seus contratos de locação, prevendo uma determinada data para o início de suas operações

*Francisco dos Santos Dias Bloch

É notório que estão surgindo shopping centers no país em um ritmo extremamente rápido. Capitais e até cidades de tamanho médio de vários estados brasileiros estão sendo palco do surgimento destes centros de compras e, às vezes, do surgimento de dois ou mais shoppings ao mesmo tempo.

Neste cenário os empreendedores, como é previsível, enfrentam os problemas normais de financiamento e escassez de mão de obra, materiais e equipamentos que afetam a construção civil brasileira.

E ocorrem atrasos na inauguração dos shopping centers. Esse problema acaba afetando de maneira direta os lojistas que já assinaram seus contratos de locação, prevendo uma determinada data para o início de suas operações.

Os lojistas, na qualidade de locatários, frequentemente pagam quantias elevadas a título de “luvas” pelo privilégio de assinar um contrato de locação no novo empreendimento, e realizam investimentos relevantes em reformas e aquisição de materiais, entre outros, para iniciar suas atividades.

Estes inquilinos, portanto, sofrem enormes prejuízos quando ocorre o atraso na inauguração dos shopping centers, especialmente quando os representantes do centro comercial comunicam a data da inauguração – geralmente exigindo a inauguração da loja naquele dia, sob pena de multa – e depois alteram a data.

O simples atraso, dependendo da situação, pode tornar o negócio como um todo inviável para alguns empresários, que perdem o interesse na atividade que seria desenvolvida no novo empreendimento.

Diante desta situação, os lojistas, ao negociar uma solução amigável com os representantes do empreendedor, são confrontados com cláusulas estabelecidas nos contratos de locação e de “luvas” (ou, por vezes, nas normas gerais do shopping center), segundo as quais o proprietário pode prorrogar a inauguração do empreendimento quantas vezes quiser, sem penalidades – e, se o inquilino não inaugurar sua loja na data exigida, ou desistir do negócio, pagará multas pesadas. E no último caso perderá, também, o dinheiro das “luvas”.

Quando questionados na Justiça sobre a abusividade destas cláusulas, os empreendedores alegam a validade dos contratos com base no artigo 54 da Lei 8.245/91 (Lei de Locações), que estabelece o seguinte: “Nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping center prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação respectivos e as disposições procedimentais previstas nesta Lei.”

Ocorre que a Lei de Locações deve ser interpretada em conjunto com o Código Civil Brasileiro, que estabelece regras mínimas de boa-fé que devem ser obedecidas em todo e qualquer contrato. Entre estas regras estão o princípio da boa-fé objetiva, previsto no artigo 422, e a proibição de sujeição de um negócio ao arbítrio de uma das partes, prevista no artigo 122 do mesmo Código. É este último dispositivo que interessa diretamente à situação em estudo: “São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes.”

Em termos simples, nenhum contrato pode ficar inteiramente sujeito à vontade de um dos contratantes. Portanto, uma cláusula que permita ao empreendedor do shopping center redefinir a data de inauguração do centro comercial, sem limitações razoáveis, pode ser anulada na Justiça. Por outro lado, o artigo 22 da Lei de Locações é expresso ao estabelecer que “o locador é obrigado a entregar o imóvel ao locatário em estado de servir ao uso a que se destina”.

Finalmente, é importante levar em conta que os Tribunais brasileiros consideram perfeitamente válida a cláusula, em geral inserida em contratos de compra e venda de imóveis em construção, que estabelece uma tolerância de até 180 dias de atraso para a sua efetiva entrega.

Disto se conclui que nenhuma cláusula contratual pode deixar o negócio totalmente à disposição de uma das partes. Portanto, se o empreendedor se obriga a inaugurar o centro comercial em uma determinada data, esta data deverá ser respeitada, admitindo-se uma tolerância de até cento e oitenta dias se houver previsão contratual neste sentido.

Ultrapassado este período, e salvo motivo de caso fortuito ou força maior (devidamente justificados), o lojista não pode ser penalizado por deixar de inaugurar a loja no dia exigido pelo empreendedor, e pode inclusive demandar indenização por perdas e danos decorrentes das despesas com a inauguração frustrada. Também é possível ao inquilino rescindir os contratos de locação e de “luvas” por culpa do empreendedor, exigindo igualmente a indenização por perdas e danos.

Francisco dos Santos Dias Bloch é mestrando e pós-graduado em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). É advogado formado pela PUC/SP, e atua em São Paulo, no escritório Cerveira Advogados Associados, nas áreas de Direito Imobiliário e Direito Contencioso Cível.

Fonte: Site Administradores, 9 de novembro de 2013

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